quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

SENADO URUGUAIO APROVA A LEI DA MACONHA

Por 16 votos a favor e 13 contra, o Senado uruguaio aprovou a chamada Lei da Maconha. A partir desta quarta-feira (11/12), o pequeno país sul-americano será o primeiro do mundo a legalizar e regulamentar a produção, venda e o consumo da marijuana.
Antes mesmo de a votação terminar, defensores da lei marcharam até o Congresso para festejar. No Uruguai, o consumo de maconha (ou de qualquer outra droga) não é considerado crime há 40 anos, mas era proibido comprar e vender os produtos. A nova lei pretende acabar com essa contradição e buscar uma alternativa à guerra contra as drogas. Estima-se que 28 mil uruguaios (5% da população entre 15 e 65 anos) fumam um cigarro de maconha por dia. Comparado com outros países, é um mercado pequeno - mas move US$ 40 milhões ao ano e tem crescido, apesar das políticas de combate ao narcotráfico. O presidente do Uruguai, Jose Pepe Mujica, quer que o Estado regule o comércio e uso dessa droga a quarta mais consumida no país, depois de bebidas alcoolicas, cigarros e remédios psiquiátricos. Pelo menos a metade dos uruguaios, no entanto, segundo as pesquisas de opinião, acha que a nova política não vai funcionar e que pode inclusive facilitar a vida dos narcotraficantes.
Pela nova lei que deve levar cerca de 120 dias para ser regulamentada e colocada em prática o governo vai distribuir licenças para o cultivo de até 40 hectares de marijuana, que será usada em pesquisas científicas, na indústria e para consumo recreativo. Os consumidores (residentes uruguaios maiores de 18 anos e devidamente registrados) terão direito a comprar até 40 gramas por mês nas farmácias, a preços inferiores aos do mercado negro. E quem quiser pode plantar até seis pés de maconha em casa sempre e quando forem declarados. Os críticos da lei dizem que o governo não tem como controlar o cultivo doméstico ou impedir que um consumidor uruguaio compre a droga na farmácia para revendê-la no mercado negro. Os defensores da lei argumentam que a guerra contra as drogas, implementada durante as últimas décadas, fracassou no Uruguai e em outros países.
Em 2016, a Organização das Nações Unidas vai rever as políticas de combate ao narcotráfico e seus resultados. Segundo Diego Pieri, que fez campanha pela aprovação da lei uruguaia, nos últimos anos mais países e até estados norte-americanos têm buscado alternativas para regular o mercado em vez de tentar destruí-lo com armas. Os ventos estão mudando, mas vai levar tempo convencer outros países a mudar de estratégia, disse Pieri, em entrevista à Agência Brasil. Por isso mesmo, o presidente Mujica pediu apoio internacional à sua iniciativa.
FONTE: Agência Brasil

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Novo CPC aposta em soluções para agilizar a tramitação dos processos

Novo CPC aposta em soluções para agilizar a tramitação dos processos

O projeto do novo Código de Processo Civil (PL 8046/10, apensado ao PL 6025/05) foi criado por uma comissão de juristas em 2009 com o objetivo de dar mais rapidez nas resoluções de causas cíveis, que incluem direito de família e do consumidor, pedidos de indenização, reconhecimento de dívidas, entre outros.
Em nome da rapidez, o novo código aposta na conciliação; na simplificação do processo; na eliminação de formalidades; e na criação de um incidente para resolver a multiplicação de ações com o mesmo pedido, dando a todas elas a mesma decisão, o chamado incidente de resolução de demandas repetitivas.

A promessa é dar uma solução judicial mais rápida a ações sobre planos econômicos, Previdência ou questionamento de contratos com empresas de telefonia, água e esgoto, os chamados contratos de adesão.
Demandas repetitivas
Hoje, há várias ações diferentes questionando assuntos que afetam várias pessoas, como a assinatura básica de telefonia, mas cada ação tramita de maneira independente em primeira instância e pode receber sentenças diferentes, dependendo de cada juiz, mesmo se tratando de pedidos iguais. A pacificação das decisões só ocorre na fase recursal e, por isso, a decisão de primeira instância dificilmente é aplicada.
Com o incidente, o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal poderá ser acionado para decidir sobre a questão judicial dos pedidos, e essa mesma decisão será aplicada a todas as ações já na primeira instância. O incidente também vai gerar jurisprudência para novos pedidos. O STJ também poderá ser chamado para que a decisão do incidente de um TJ ou TRF seja aplicada a todas as ações do país.
Ações coletivas
A Câmara incluiu no texto a possibilidade de conversão de ações individuais em ações coletivas. Com isso, a sentença do pedido inicialmente individual terá um alcance maior. Hoje, as ações são individuais, e outros interessados podem pedir para participar do processo como litisconsórcio, mas não como parte na ação.
Para o relator, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), a ação coletiva será ideal para tratar questões como poluição, barulho ou casos que digam respeito a uma sociedade de acionistas. “Se um acionista pedir uma ação de anulação de uma assembleia da empresa, o juiz pode pedir a conversão em ação coletiva porque a decisão não atingirá apenas um acionista, mas o coletivo”, disse.

Rapidez

A proposta também aposta na jurisprudência (entendimentos que viram doutrina) para acelerar os processos. A intenção é evitar, por exemplo, que um juiz decida na primeira instância contra posicionamentos consolidados nos tribunais, incentivando a parte perdedora a entrar com recurso para reformar a decisão ou evitar as ações com pedidos manifestamente contrários ao pensamento dos tribunais.
O novo CPC também elimina recursos. O projeto acaba, por exemplo, com a necessidade de juízo de admissibilidade da apelação ou de recursos extraordinários no juízo em que ele é apresentado. Hoje, esses recursos apenas são enviados à esfera superior se aprovados pelo tribunal em que foram apresentados. Ao cortar essa etapa, a expectativa é que se economize em torno de seis meses a dois anos do processo.
Pelo texto, quem entrar com embargos de declaração com o único objetivo de adiar a execução da decisão judicial vai pagar multa de 2% do valor da causa no primeiro recurso e 10% se houver reincidência. Os embargos de declaração são os recursos utilizados para questionar omissões e obscuridades da decisão judicial, e muitos advogados lançam mão desse recurso para dar mais tempo à parte perdedora, já que o recurso impede a execução da decisão. A multa serve para desestimular o uso desnecessário desses recursos.

Câmara conclui votação do texto-base do novo CPC e adia polêmicas

Câmara conclui votação do texto-base do novo CPC e adia polêmicas

Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
Análise do projeto de novo Código de Processo Civil (CPC) - (PL 8046/10, apensado ao PL 6025/05)
Plenário votou quatro partes do novo CPC. Destaques ao texto serão analisados em data a ser definida.
O Plenário da Câmara dos Deputados terminou nesta terça-feira a votação do texto-base do novo Código de Processo Civil (CPC - PL 8046/10). Foram aprovadas as quatro partes restantes do texto – a parte geral já havia sido votada no último dia 5.

Ficou para depois a discussão dos destaques, que questionam temas como o pagamento de honorários para advogados públicos, penhora de contas bancárias e investimentos, e o regime de prisão para devedor de pensão alimentícia.
O relator, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), esclareceu que busca um acordo para que os honorários para advogados públicos sejam tratados em outro projeto de lei e retirados do novo CPC. O novo código autoriza o pagamento de honorários para advogados públicos, na forma de lei posterior.
“Esse tema será tratado ou no CPC ou em um projeto que já está na Câmara e trata da carreira dos advogados públicos. Vamos amadurecer o diálogo”, disse Teixeira, que não quis antecipar qual solução será utilizada.
O honorário é pago ao advogado que venceu a ação, mas esse dinheiro é incorporado ao orçamento federal nas ações em que o governo federal é vencedor. Nos estados e municípios, há leis que permitem a aplicação desse dinheiro em fundos.
Pensão alimentícia
Teixeira garantiu, no entanto, que vai apoiar o destaque da bancada feminina para manter em prisão fechada o devedor de pensão alimentícia. O novo CPC prevê a prisão inicialmente em regime semiaberto (podendo ser convertida em prisão domiciliar) e também aumenta de três para dez dias o prazo para pagamento ou justificativa do devedor. A intenção é aprovar o texto do Senado, que mantém o prazo mínimo e a prisão fechada.
Gustavo Lima/Câmara
Análise do projeto de novo Código de Processo Civil (CPC) - (PL 8046/10, apensado ao PL 6025/05). Dep. Paulo Teixeira (PT-SP)
Paulo Teixeira: ainda não há acordo sobre os honorários de advogados públicos.
“Entendemos que a prisão em semiaberto é um símbolo ruim para a sociedade porque, infelizmente, muitos só pagam a prisão alimentícia com a ameaça de prisão”, disse Teixeira. Ele lembrou que a mudança de regime foi incluída no projeto pelo primeiro relator do texto, o então deputado Sérgio Barradas Carneiro.
A deputada Rosane Ferreira (PV-PR) disse que a bancada feminina fechou questão na defesa do regime fechado. “Isso não é uma questão de gênero. Isso é uma proteção de crianças e adolescentes”, disse.
Penhora
Continuam sem perspectivas de acordo, segundo Teixeira, eventuais destaques para limitar ainda mais a penhora de contas e investimentos bancários. Ele ressaltou que o projeto já dá muitas garantias às pessoas e às empresas e evita excessos no congelamento das contas. “Não podemos impedir que o credor tenha mecanismos para receber a sua dívida e advogar que o devedor vá até o limite e possa até se desfazer dos seus bens”, argumentou.
O deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), no entanto, ressaltou que vai lutar para acabar com o confisco de recursos bancários. “Não podemos agredir o direito dessa forma, permitindo o bloqueio de ativos financeiros de qualquer pessoa”, reclamou. Os deputados têm até as 19 horas de segunda-feira para apresentar destaques ao novo CPC.

JUSTIÇA NEGA FECHAMENTO DE HOTÉIS NO CENTRO DE BH.


Esta é ótima: pretenderam usar uma ACP como "material de limpeza" em faxina no Centro de BH.

Justiça nega fechamento de hotéis da zona boêmia de BH

Decisão | 22.11.2013

A Justiça mineira indeferiu o pedido do Ministério Público estadual que queria impedir os hotéis localizados no hipercentro de Belo Horizonte, especificamente na rua Guaicurus, de continuar as atividades desenvolvidas na região. A decisão do juiz Renato Luís Dresch, da 4ª Vara de Feitos da Fazenda Pública Municipal, negou a ação civil pública que afirmava que oito empresas responsáveis por hotéis praticam atividade ilícita, funcionando como prostíbulos, e que o município de Belo Horizonte não exerce o seu poder de polícia para acabar com as violações. Para o magistrado, a tentativa de se extinguir a prostituição no centro “dá uma impressão de conduta preconceituosa, ofensiva ao princípio constitucional da igualdade”.
O Ministério Público argumentou que a atividade das empresas é ilícita, porque estão licenciadas para hotéis, mas funcionam como casas de prostituição. Os hotéis Requinte, Lírio, Privê, Stylus, a pensão Mineira, a organização Gam, Maria de Souza S.A. e José Gonçalves Samarone contestaram a ação com o argumento de que possuem licença municipal e funcionam legalmente no local há muitos anos. Em sua maioria, destacaram que todos os seus ganhos são provenientes do pagamento de diárias pelos quartos, tanto para homens quanto para mulheres. Demonstram ainda que integram o patrimônio imaterial da região da rua Guaicurus, “reconhecida como zona boêmia frequentada por autoridades”.
Na sua decisão, o juiz Renato Luís Dresch destacou que não se tem notícia de iniciativa similar em outros locais para encerrar as atividades das boates, hotéis e motéis de luxo onde também há prática de sexo remunerado. “A demanda dirige-se unicamente aos estabelecimentos do hipercentro, frequentados por pessoas de menor posse”, afirmou.
O magistrado finalizou sua decisão dizendo que a prostituição pode até sofrer repulsa social, mas a atividade não é ilícita, tanto do ponto de vista civil como do penal, já que somente a exploração ou a obtenção de vantagem sobre a prostituição é que caracterizam crime.
O juiz disse que espera “que a demanda [do Ministério Público] não tenha o objetivo de higienizar o hipercentro de Belo Horizonte, sobretudo na região tradicionalmente conhecida como 'zona boêmia', em razão da proximidade da Copa do Mundo, como meio de maquiar uma realidade histórica da capital para mostrar ao mundo uma situação que não corresponde à realidade”.
Por ser de Primeira Instância, a decisão está sujeita a recurso. Como se trata de uma ação civil pública, mesmo que não sejam apresentados recursos, o processo será automaticamente remetido ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais para o reexame necessário.
Processo nº 1184610-94.2011.8.13.0024

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

AINDA NÃO FOI DESSA VEZ...

O Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quarta-feira (27/11), julgar em duas etapas os processos que tratam dos expurgos inflacionários em cadernetas de poupança decorrentes dos planos econômicos dos anos 80 e 90. Por maioria, o tribunal preferiu fazer nesta quarta a leitura dos relatórios, ouvir as sustentações orais dos advogados e dos amici curiae e deixar para fevereiro de 2014, quando termina o recesso judiciário, o início de leitura dos votos dos relatores e do julgamento. O tribunal também decidiu começar pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), por ser mais abrangente. Outros quatro recursos extraordinários também serão julgados.
A ideia inicial de alguns ministros e dos bancos era de que o julgamento fosse inteiramente feito depois que o tribunal voltasse às atividades. Por entenderem que a matéria exige maior reflexão e dedicação, alguns ministros entendem que seria melhor se ater sobre os argumentos de todos depois do recesso judiciário. Já os bancos, segundo os poupadores, preferem que o julgamento fique para o ano que vem porque termina no primeiro trimestre de 2014 o prazo para que particulares se habilitem para receber os expurgos inflacionários em cadernetas de poupança reconhecidos em ações coletivas.
O que está para o Supremo decidir é a constitucionalidade da aplicação retroativa dos índices de correção da poupança a cadernetas já existentes na época dos planos. É que os planos econômicos (Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2) estabeleceram que as cadernetas de poupança seriam corrigidas por índices artificiais (cada plano estabelecia o seu), e não mais de acordo com a inflação registrada pelo IPC, como eram as poupanças contratadas antes dos planos. A reclamação dos poupadores é que os bancos aplicaram esses novos índices, e agora cobram a diferença.
A jurisprudência dos tribunais inferiores, e do Superior Tribunal de Justiça, é a de que os poupadores têm direito a receber essas diferenças. Só que, quando do ajuizamento das ações no Supremo (quatro recursos extraordinários e uma ADPF), os casos que correm nos tribunais de origem ficaram sobrestados. Ou seja, todos os milhares (há quem diga milhões) de processos que correm sobre o assunto estão paradas.
Questão complexa, reflexão necessária
A proposta de adiamento foi feita logo depois da declaração de abertura da sessão pelo ministro Marco Aurélio. Segundo ele, “a tradição do tribunal sempre se revelou no sentido de não ter-se, ao término do ano, à abordagem de temas mais complexos”. Lembrou da “coincidência” do grande número de pedidas de medida cautelar que chegam no Supremo quando se aproxima o fim do ano. Isso, segundo Marco Aurélio, impediria os ministros de analisar com a dedicação necessárias os casos tão complexos.
“Teremos que nos debruçar sobre esse predicado tão caro sobre que se vive o estado democrático de direito, que é o revelado pela crença no próprio Estado”, disse o vice-decano. Sobre a preocupação dos poupadores com a prescrição do prazo para se inscreverem nas ações coletivas, Marco Aurélio disse que, como os casos estão bloqueados nas instâncias inferiores, não há o que se preocupar com os prazos.
Logo depois da fala, o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, calculou que o julgamento durará “quatro ou cinco sessões” e, pela aproximação do fim do ano, não veria problemas no adiamento.
Consultados os relatores, a questão se dividiu. O ministro Gilmar Mendes, relator de dois recursos extraordinários, concordou com o adiamento e com os argumentos de Marco Aurélio. “Seria recomendado que se fixasse uma data pra começarmos em fevereiro”, sugeriu. O ministro Ricardo Lewandowski, relator da ADPF, disse que está pronto para começar o julgamento, mas que se curvaria à decisão do Plenário.
Inicialmente, Toffoli disse não se opor ao adiamento. E o ministro Celso de Mello se mostrou contra começar só em fevereiro. “A questão realmente é complicadíssima e complexa, mas o tribunal está preparado.”
Só que veio a proposta do ministro Teori Zavascki, que saiu vencedora: os relatores fazem a leitura dos relatórios, os advogados fazem suas sustentações orais, os amici curiae se manifestam e o julgamento é interrompido. Os demais ministros viram a ideia como “proposta média”, e decidiram acompanhá-lo, vencidos os ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes.

DANO MORAL

DANO MORAL

   Para a caracterização da ocorrência dos chamados danos morais, faz-se necessária, segundo o Código Civil de 2002 (CC/02) “a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta do suposto causador do dano, e o resultado na vítima”, trazendo-lhe consequências nocivas à sua moral ou sua honra. Para tanto, é de suma importância tal demonstração da ocorrência danosa e de todos os reflexos que tal ato possa ter acarretado na vida do indivíduo.

     Ocorre que os danos morais são dificilmente aferíveis, por estarem em abstrato, num plano imaterial, e de caráter subjetivo, contrário aos danos materiais. A dificuldade encontra-se a princípio na própria conceituação do dano moral e mesmo com a amplitude de julgados sobre o tema, ainda não foi possível se definir com clareza o que venham a ser os danos morais. Por muitas vezes, o dano moral acaba sendo entendido como dor, sofrimento, humilhação, rebaixamento, e uma gama de sentimentos negativos frutos de uma situação ocorrida, o que nem sempre é verdade, pois tais sentimentos acabam sendo na verdade as consequências do dano moral, e não o dano em si mesmo, e tal entendimento predomina hodiernamente nas decisões do TJMG que versam sobre o assunto, conforme pode ser observado em recentes sentenças proferidas por este Tribunal.

     Nessa esteira, surge a dificuldade encontrada, a priori, para se definir o que é o dano moral e diferenciá-lo necessariamente das suas consequências. Resta ao julgador definir critérios para mensurá-lo e aplicar em um caso concreto a indenização proporcional ao dano sofrido. Muitas vezes isso se torna uma difícil tarefa, pois cabe ao julgador utilizar-se dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade  para assegurar uma decisão justa, que venha a coibir a reincidência da prática pelo agente, e que ao mesmo tempo tenha caráter pedagógico, vindo assim a exercer seu caráter preventivo em face de novas condutas semelhantes.

   Dessa forma, o presente estudo buscará expor com clareza os requisitos e consequências para a configuração de existência dos chamados danos morais, assim como dos supramencionados critérios utilizados pela doutrina e jurisprudência para sua caracterização e indenização, entendendo-se aqui como sendo consequências, os sentimentos de humilhação, dor, vergonha, entre outros supramencionados. Nesse escopo, serão analisados tais critérios sob a ótica do Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais, trazendo à baila algumas decisões acerca do tema para uma melhor compreensão e entendimento de sua aplicabilidade na Justiça Estadual.

1 OS DIREITOS DE PERSONALIDADE

     Para um melhor entendimento sobre a definição do que vem a ser o dano moral, faz-se necessária uma maior compreensão do bem jurídico ofendido com a prática desse ato. Assim, em primeiro plano, cabe diferenciar danos morais de danos patrimoniais, e, nesse ínterim, expor o que vem a ser os chamados direitos de personalidade cuja proteção tem previsão expressa em nosso ordenamento jurídico, conforme será demonstrado adiante.


2 DANO MORAL X DANO MATERIAL

     O dano é único, e a diferenciação entre danos morais e materiais que vem sendo acolhida pela doutrina se limita às suas consequências e seus efeitos. Dessa forma, uma única conduta do agente, seja ela lícita ou ilícita, poderá acarretar na sua responsabilização cumulada pelos dois tipos danosos. Sobre isso, nosso Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou através da súmula 37 : “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.” 

   Os danos patrimoniais são definidos pelo ordenamento jurídico como sendo danos causados a determinado bem, e tais danos são comumente estipulados utilizando-se a “teoria da diferença ”, que apregoa que o dano seria a diferenciação entre a situação patrimonial anterior e a posterior à ocorrência do prejuízo material sofrido. Assim, leva-se em conta o antes e o depois para obter um coeficiente do dano causado a determinado bem, e essa vem a ser a grande diferenciação deste tipo de dano em relação aos danos morais. Insta observar que a moral também pertence ao patrimônio do sujeito, fazendo assim parte de seu patrimônio, porem, devem ser diferenciados quando lesados, pois enquanto o dano patrimonial pode ser delimitado, o dano moral deverá ser compreendido pelo julgador.

     Tomemos como exemplo o dano material causado a um automóvel, estacionado sob um canteiro de obras, e que tem seu capô amassado por uma pedra oriunda dos andares superiores da referida construção. Seja esse automóvel de qualquer pessoa, o dano será sempre o mesmo, pois será auferido pelo preço de seu conserto, e, em alguns casos, pelos lucros cessantes, caso seja objeto de trabalho, mas nunca será diferenciado por peculiaridades de seu proprietário, tais como condição social, idade, entre outras. Agora na mesma situação fática, supondo que ao invés de uma pedra seja arremessada uma certa quantidade de barro sob a cabeça da vítima que por ali passa em decorrência de algum tipo de preconceito, ou por uma simples brincadeira, esse ato já deverá ser mensurado, e com certeza a responsabilização será diversa, pois transcenderá o mundo real, indo de encontro ao subjetivo devendo pois, ser tratado tal ato de maneira diferente.

     Desta feita, entendem, como danos materiais (que se dividem em “danos emergentes”, que é aquilo que se perdeu, e “lucros cessantes”, o que se razoavelmente deixou de ganhar, de acordo com o art. 402 do CC/02 ) como o cálculo do dano sofrido ao bem material juridicamente protegido. Já danos morais, que são muito mais difíceis de serem contabilizados, ocorrem quando uma vítima é afetada em seu plano psíquico, intelectual ou moral. Configura-se por ofensas à sua honra, à sua imagem, privacidade, enfim, aos seus direitos de personalidade que agora passaremos a expor.

3 A PROTEÇÃO JURÍDICA AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE

     Para uma melhor compreensão dos direitos de personalidade, importante seria começar com a lição de Maria Helena Diniz em sua obra: 

     A personalidade consiste no conjunto de caracteres da própria pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é. (DINIZ, 2002, p. 172).

      Dessa forma, toda e qualquer pessoa, seja ela pessoa física ou jurídica, poderá ser titular de relações em decorrência de sua personalidade, estando tal afirmativa expressa no art. 1º do Código Civil: “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Ainda sobre o tema, faz-se interessante trazer ao presente estudo as palavras do professor Nelson Rosenvald: 

    Trata-se de uma aptidão genericamente reconhecida: toda pessoa é dotada de personalidade. É a possibilidade de ser titular de relações jurídicas e de reclamar o exercício da cidadania, garantida constitucionalmente, que será implementada (dentre outras maneiras) através dos direitos de personalidade. (ROSENVALD, 2006, p.98).

Assim, conforme demonstrado, a personalidade é parte integrante da pessoa e permite que seu titular venha a defender todos os interesses referentes a ela. A personalidade é um valor jurídico presente nos indivíduos que se materializa como capacidade jurídica, ou de direito. Deve ser estendida a todas as pessoas, motivo pelo qual ganhou inclusive proteção Constitucional, onde pode ser vislumbrada como um valor ético.

Nesse cenário, cabe agora aprofundar o estudo do presente artigo aos direitos da personalidade, que vem a ser o bem jurídico protegido pelo legislador, e que enseja indenização em caso de sua inobservância. São direitos relativamente recentes, surgidos após a Segunda Guerra Mundial. 

Vale lembrar que no passado, tais direitos não encontravam proteção expressa nos moldes em que hoje se encontra. O Direito Romano sequer os mencionava, apenas se reservava a contemplar a chamada actio injuriarum, que nada mais era que uma simples ação contra os crimes de injúria da época. Os Gregos também não demonstraram preocupação em proteger os direitos de personalidade, possuindo também uma única ação denominada dike kakegoric que visava punir aqueles que atentavam contra algum tipo de interesse moral ou físico. Uma maior proteção a tais direitos somente veio a despontar com o Cristianismo e sua pregação da fraternidade universal, que apontavam para uma necessária proteção da personalidade humana.

Com o passar do tempo, novos textos legislativos foram sendo criados, e cada vez mais era notória a presença de uma maior preocupação com os direitos de personalidade. A Carta Magna Inglesa, do ano de 1215, trazia proteção a alguns aspectos da personalidade humana, tal como a liberdade, vindo mais adiante a reconhecer os direitos de personalidade. Anos mais tarde, a Declaração dos Direitos do Homem  trouxe uma proteção expressa à personalidade humana e aos direitos individuais, no ano de 1789. Porém, somente após a Segunda Guerra Mundial, frente aos crimes contra a humanidade praticados pelos nazistas sentiu-se de forma veemente a necessidade de assegurar uma tutela fundamental e geral em favor dos direitos da personalidade humana. Nesse ambiente, foi promulgada em 1948 a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Faltava ainda uma definição mais específica dessa proteção, pois os Códigos Civis ainda não faziam menção aos direitos de personalidade. Com o fim da guerra, os códigos foram sucessivamente reformulados, passando a conter em seu bojo, na grande maioria, proteção expressa aos direitos de personalidade. No Brasil, os direitos de personalidade foram aceitos devidos às inúmeras contribuições doutrinárias acerca do assunto, vindo somente a alcançar status legislativo no texto Constitucional de 1988. 

No Código Civil Brasileiro, os direitos de personalidade estão contidos nos artigos 11 a 21. Porém, ainda se busca inscrever de forma mais expressa tais direitos no corpo do texto Constitucional, ganhando força nos dias de hoje um movimento de Constitucionalização da proteção aos referidos direitos.

4 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE

     Os direitos de personalidade podem ser definidos como absolutos, indisponíveis, e imprescritíveis, conforme aduz o CC/02. São absolutos porque sua eficácia vale contra todos aqueles que tentarem de certa forma ameaçá-los (oponíveis erga omnes). Trata-se de um dever de todos os indivíduos de uma sociedade respeitá-los. São indisponíveis porque é proibido ao seu titular deles se dispor, seja de forma total ou mesmo parcial, sendo importante ressaltar que existe uma relativização quanto ao direito de ceder de forma temporária o exercício de alguns direitos de personalidade, como por exemplo, a execução de uma canção. Também são imprescritíveis visto que uma lesão causada a um direito de personalidade não pode prescrever pelo passar do tempo, impedindo o exercício de sua tutela. 

Insta ressaltar que, acerca da imprescritibilidade, esta não deverá ser confundida com a prescrição oriunda da pretensão indenizatória de dano sofrido aos direitos de personalidade. Tal pretensão prescreve normalmente em três anos (Código Civil, art. 206, §3º, V). O que é imprescritível é somente a pretensão de se garantir o exercício de certos direitos que possam ter sido violados.

Os direitos de personalidade buscam assegurar uma proteção à pessoa humana em todos os seus aspectos. Nesse escopo, leciona Rosenvald:

     Assim, a classificação deve ter em conta os aspectos fundamentais da personalidade que são a integridade física, (direito à vida, direito ao corpo, direito à saúde ou inteireza corporal, direito ao cadáver...) a integridade intelectual (direito à autoria científica ou literária, à liberdade religiosa e de expressão, dentre outras manifestações do intelecto) e a integridade moral ou psíquica (direito à privacidade, ao nome, à imagem, etc.) (ROSENVALD, 2006, p. 108).

Tal classificação não limita os direitos de personalidade, pois ficaria quase impossível uma definição taxativa de tais direitos. São direitos amplos e em constante desenvolvimento, seguindo a esteira evolutiva do próprio homem, que vem a ser seu titular. São valores em eterna modificação, devendo serem contextualizados e por esse motivo, devem sempre estar em consonância com a tutela jurisdicional do estado.

Entre os chamados direitos de personalidade, de acordo com Fiuza (2003) podemos elencar:

      a) Direito à integridade física: Que se define como uma proteção ao corpo do indivíduo, incluindo aqui a proteção também a todas as suas partes em separado, como tecidos e órgãos. Vale ressaltar também que tal proteção se estende inclusive ao cadáver do indivíduo falecido.

     b) Direito á integridade moral (Psíquica): Confere tutela à honra, imagem, liberdade, nome, vida privada, entre outros. São proteções destinadas à incolumidade moral buscando preservar  todo o conjunto moral e psicológico do indivíduo.

    c) Direito à integridade intelectual: Que se referem à proteção dispensada à criação, às manifestações intelectuais, a liberdade de pensamento, o invento, e o mais amplamente divulgado, o direito autoral, que inclusive foi tutelado por legislação específica, quer seja, a Lei nº 9.610/98 , e em súmula do STJ, como é o caso da súmula 63 : “São devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabelecimentos comerciais.”

     No Brasil, conforme supramencionado, os direitos de personalidade acima elencados encontram proteção também na Constituição Federal de 1988 , muito embora de forma implícita na cláusula geral de tutela de personalidade, ao mencionar a dignidade da pessoa humana como um valor fundamental. Na Constituição estão arrolados vários direitos de personalidade tais como honra, imagem, liberdade entre outros, valendo ressaltar que a lista de tais direitos não é taxativa, deixando margem para uma ampliação desse rol de acordo com a evolução social, e que os mesmos também encontram proteção prevista no Código Civil, conforme já frisado, em seu Capítulo II do livro I da parte geral.
Sobre o assunto, o professor Cezar Fiuza aduz com clareza: 

     Não se pode dizer que o Diploma Civil contenha, de forma clara, um cláusula geral de tutela de personalidade. Limita-se a dispor que os direitos de personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo sofrer limitações voluntárias em seu exercício. Além disso, prevê a possibilidade de se exigir que cesse qualquer ameaça a esses direitos, além da indenização por lesão que venha a sofrer. (FIUZA, 2003, p. 144).

Na mesma esteira, o renomado autor tece uma comparação com o Código Civil Japonês, no que diz respeito aos direitos de personalidade:

      O Código Brasileiro, ao contrário de outros, como o Japonês, por exemplo, preocupa-se muito mais, para não dizer tão só, com as possíveis patologias dos direitos de personalidade , em vez de tutelar a personalidade de modo mais holístico, promovendo a dignidade humana e vinculando a interpretação das normas de Direito privado a este valor fundamental. Continua, pois, a ser necessário reportar-se  à Constituição para a consecução desse objetivo hermenêutico. (FIUZA, 2003, p.144).

5 A PROTEÇÃO AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE

A proteção aos direitos de personalidade pode se dar através de diversos meios. Sobre os direitos de personalidade, o artigo 461 do Código de Processo Civil reconhece a possibilidade do exercício da proteção, seja ela preventiva ou repressiva à sua violação. Além disso, podemos mencionar o artigo 12 do Código Civil, que amplia as possibilidades de proteção aos direitos aqui estudados.

Certo é que a violação dos direitos de personalidade causam uma série de consequências desagradáveis, e de caráter personalíssimo, que vão além de meros dissabores do dia a dia. São danos que atingem a moral da vítima, e, conforme mencionado alhures, devem ser tutelados pelo Estado. Existem várias ações possíveis de serem distribuídas visando combater a violação desses direitos, com previsão de sanções jurídicas àqueles que de alguma forma os violam. Resultado comum dessas possibilidades de ações são condenações à reparação pelos danos morais causados.

Importante nesse ponto destacar que para a caracterização da ocorrência dos danos morais, não se faz necessária a obrigatoriedade de se provar nos autos a ocorrência de dor, humilhação, vexame, tristeza, ou outro sentimento que sobreveio da violação de direito, basta somente demonstrar a simples violação dos direitos de personalidade do indivíduo, e isso pode ser visto em recentes julgados do TJMG. Sentimentos como dor, vergonha, vexame, são de ordem subjetiva, impossíveis de serem demonstrados. Além do que, não são tais sentimentos a ocorrência da violação dos direitos de personalidade, mas somente sua consequência.

Nesse sentido fundamentam-se as decisões recentes do Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais (TJMG) que se mostra a favor do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “No sistema jurídico atual, não se cogita da prova acerca da existência de dano decorrente da violação aos direitos de personalidade, dentre eles a intimidade, a imagem, a honra e a reputação, já que, na espécie, o dano é presumido pela simples violação do bem jurídico tutelado”. 

Destarte, observa-se que através da responsabilidade civil materializa-se o principal objetivo do Direito Civil que é a proteção da pessoa humana e de seus direitos individuais. Certo é que todo dano moral é resultado da violação aos direitos de personalidade, corroborando com tal pensamento Maria Celina Bodim de Moraes (1997, p.132) que se propôs a definir o dano moral, “Através da injusta violação a uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial protegida pelo ordenamento jurídico através da cláusula geral de tutela da personalidade que foi instituída e tem sua fonte na Constituição Federal.”

Ponto de extrema relevância para o presente artigo é uma ampla definição e entendimento da responsabilidade civil presente no ordenamento jurídico vigente, pois a responsabilização civil é o ponto de materialização da tutela aos direitos de personalidade, que uma vez violados, ensejam reparação pelos danos morais causados, objeto do presente estudo dentro do âmbito do TJMG.

6 DA RESPONSABILIDADE CIVIL

     Trataremos no presente estudo, da responsabilidade civil extracontratual, também conhecida como aquiliana, em razão da Lex Aquilia, que foi a primeira lei a delimitar sistematicamente a responsabilidade civil na ocorrência de delitos.

      A Lex Aquilia era na verdade plebiscito votado por proposição de um tribuno da plebe, de nome Aquilius, mais ou menos, em fins do século III a.C. é lei de circunstância, provocada pelos plebeus que, desse modo, se protegiam contra os prejuízos que lhes causavam os patrícios, nos limites de suas propriedades. Antes da Lei Aquilia imperava o regime da Lei das XII Tábuas, que continha regras isoladas. (FIUZA, 2003, p. 606).

      Mas ao adentrar no assunto nos surge o primeiro questionamento acerca do que venha a ser um ato ilícito para o Direito Civil. Nesse contexto, inevitável seria comparar um ato ilícito, à luz do Direito Civil, com um ato antijurídico, sendo que sua principal distinção reside justamente nas consequências resultantes da prática de um ou de outro.

      Um ato antijurídico pode ser conceituado como sendo aquele contrário ao Direito , mas que não causa consequências e danos a terceiros, nem ao próprio agente que o pratica. Podemos citar como exemplo aquele que dirige um automóvel sem utilizar-se do cinto de segurança. Caso chegue em sua casa livre de infortúnios pelo caminho, este teria cometido um ato meramente antijurídico, pois tal ato, apesar de ser contrário à legislação vigente, não causou danos a ninguém. Contrário a isso é o ato ilícito, que além de ir de encontro ao ordenamento jurídico, ainda causa danos a terceiros, e muitas vezes no próprio agente que o pratica. 

      Um ato ilícito pode ser dividido em elementos, que devem existir em conjunto. Podem ser definidos como antijuricidade, culpabilidade, dano, e o nexo causal . Conforme já aludido, tais elementos devem coexistir, e não somente existirem isoladamente, pois faltando qualquer um deles à conduta do agente, não existirá ilícito a ser reparado na esfera civil. Nesse diapasão cabe relembrar que não serão considerados atos ilícitos aqueles praticados em legítima defesa, em estado de necessidade, em exercício regular de direito, ou em cumprimento do dever legal, assim como aqueles praticados em função de caso fortuito ou força maior. 

7 ELEMENTOS DO ATO ILÍCITO

      Para uma maior compreensão do que venham a ser os atos ilícitos, que por conseguinte ensejam ao pagamento de indenização por danos morais, faz-se importante analisar os elementos que o configuram separadamente, ressaltando que para sua caracterização necessário se faz que tais elementos coexistam na conduta do agente causador do dano.

     a) Antijuricidade: Pode-se definir a antijuricidade como sendo a contrariedade ao direito. É quando a ação ou omissão do agente caminha em desencontro às normas pré-estipuladas pelo ordenamento jurídico, ou mesmo contra a ordem social, a segurança, entre outros.

     b) Culpabilidade: Estão envolvidos no elemento “culpabilidade” os conceitos de culpa e dolo, que apesar de representarem coisas diferentes, ensejam à reparação civil sob forma de indenização.  Principal diferença entre os dois é que o dolo é uma ação ou omissão voluntária, intencional, enquanto que a culpa é involuntária, pautada pela negligência, imperícia ou imprudência (podendo ser definida negligência, como falta de cuidado; imperícia, como falta de conhecimento técnico; e imprudência, como o agir sem precaução). Dentro da culpa, ainda podemos subdividi-la em grave, leve, e levíssima, dependendo do risco assumido pelo agente, lembrando que a culpabilidade não é levada em conta quando a responsabilidade é objetiva.

      c) Dano: Pode ser entendido como a diminuição ou subtração de um bem jurídico, através da sua análise antes e depois de ocorrido evento danoso. O dano pode se classificar em dano patrimonial (ou material), e dano moral, que é o objeto do presente estudo. Patrimonial é aquele tipo de dano que resulta em prejuízos materiais, facilmente constatado, e possível de ser avaliado economicamente. Já o dano moral é aquele que causa lesão aos direitos de personalidade anteriormente explanados, tais como a honra, a imagem, etc., sendo, pois um tanto quanto difícil mensurar seu valor indenizatório por se tratar de uma lesão ao subjetivo do indivíduo.

8 AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PARA REPARAÇÃO DE DANOS

A Indenização apropriada pela prática de atos ilícitos causadores de danos morais é chamada ação indenizatória. O sujeito capaz de figurar no polo ativo desse tipo de ação é, em primeiro plano, o prejudicado pelo ato, sendo que caso já esteja morto poderá ser representado por seus herdeiros. Também podem representa-lo no polo ativo da ação todos aqueles que pelo prejudicado eram alimentados, ou ainda seus representantes legais e até mesmo seu procurador, desde que lhe sejam conferidos poderes especiais para tanto. Insta ressaltar ainda a possibilidade de o empregador demandar no polo ativo de uma ação indenizatória buscando reparação por prejuízos sofridos como consequência de danos causados ao empregado.

      Sobre o tema, preleciona Fiuza:

     O sujeito passivo, ou seja, a pessoa contra quem se proporá a demanda, será o autor do delito. Se for absolutamente incapaz, serão acionados seus representantes legais. Se for relativamente capaz, é solidariamente responsável junto com seus representantes legais. Se estiver morto, seus herdeiros responderão dentro das forças da herança. Além destes, pode-se acionar os coobrigados pelo dano, como o partícipe de um crime. (FIUZA, 2003, p. 612).

     Sobre o ônus da prova  em uma ação indenizatória, este caberá ao sujeito ativo, quer seja, o prejudicado, lembrando que não será este obrigado a provar a dor, humilhação, ou sofrimento suportados, mas tão somente a ocorrência dos fatos que causaram tais danos. Deverá também comprovar nos autos os elementos anteriormente estudados, que são o dano propriamente dito, a culpabilidade do agente causador (com exceção nos casos onde se aplicar a responsabilidade objetiva), e o nexo causal entre a conduta e o dano, ressaltando que a conduta do agente causador do dano deverá ter sido tida como antijurídica.

O Dano moral, mencionado alhures, foi delineado de forma clara nos dizeres da professora Maria Helena Diniz: 

     O dano moral, no sentido jurídico não é a dor, a angústia, ou qualquer outro sentimento negativo experimentado por uma pessoa, mas sim uma lesão que legitima a vítima e os interessados reclamarem uma indenização pecuniária, no sentido de atenuar, em parte, as consequências da lesão jurídica por eles sofridos (DINIZ, 1998, p. 82).

Fica claro e evidenciado que, o dano moral em si mesmo não deve, de forma alguma, ser confundido com suas consequências. Na ação indenizatória aqui exposta o que deverá ser comprovado é a ocorrência dos fatos danosos, pois suas consequências, desde que devidamente comprovados os fatos, são presumidas, não devendo ser comprovadas nos autos da ação.

9 A MENSURAÇÃO DOS DANOS MORAIS SOB A ÓTICA DO TJMG

Conforme já estudado, danos morais são aqueles que abalam a honra, a boa-fé subjetiva, ou a dignidade das pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, estando tais elementos inseridos dentro dos direitos de personalidade. Ocorre que para que haja reparação pela ocorrência de tais danos, necessária se faz a prova de nexo causal entre o fato gerador do dano, e suas consequências nefastas na vida pessoal da vítima ofendida.

Para uma melhor compreensão dos fatos danosos, e uma justa reparação, necessário se faz comprovar nos autos da ação indenizatória, de maneira cabal, todas as condições nas quais ocorreram as ofensas aos direitos de personalidade do ofendido, demonstrando com clareza a extensão do dano e todas as suas consequências geradas.

No ordenamento jurídico Brasileiro não existem maiores discussões acerca do assunto, e correntes com posicionamentos bastante sedimentados já se encontram presentes tanto na jurisprudência quanto na doutrina, sendo que muitas doutrinas já indicam inclusive parâmetros para a fixação de valores devidos a título de indenização por danos morais causados a alguém.

Exemplo clássico desse parâmetro diz respeito aos danos estéticos causados por conduta culposa do agente que deixa marcas no ofendido. Certo é que o agente será responsabilizado e condenado à reparação dos danos morais causados, sendo esse um assunto pacificado e presente em diversas jurisprudências, como a que segue abaixo transcrita de ação indenizatória ajuizada no TJMG:

    ACIDENTE POR FATO DE SERVIÇO. CORRIDA DE KART. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. INTEGRIDADE FÍSICA. INCOLUMIDADE. DANO ESTÉTICO. Resta configurado o acidente por fato do serviço quando este não oferecer a segurança que dele legitimamente se espera. Na moderna concepção doutrinária os danos morais fazem-se presentes, via de regra, em qualquer lesão à subjetividade da pessoa nas situações que vivencia cotidianamente, posto que visem sempre tutelar o respeito à dignidade humana, da qual fazem parte os direitos da personalidade, que, por seu turno, englobam a integridade física. Por isto, quando numa pista de kart houver acidente por fato do serviço capaz de gerar no envolvido seqüelas físicas idôneas a afetar o seu bem estar enquanto pessoa humana, resta evidenciado o dever indenizatório. A marca corporal em si gera sofrimento de natureza diversa e independente da dor puramente moral, razão pela qual o pedido de indenização pelo dano estético pode ser cumulado com a pretensão à reparação por dano moral. 

Para a elaboração de uma justa e correta decisão acerca dos danos morais ocasionados e devidos, faz-se necessária uma delimitação de parâmetros a serem utilizados de maneira comum à todos os membros do Tribunal, para que assim, as decisões oriundas de uma mesma fonte não sejam demasiadamente diversas em seu entendimento.

      Mas até que ponto uma parametrização dos danos morais seria justa ou benéfica? Sabe-se que cada pessoa física ou jurídica dispõe de uma situação única, e os danos que venham a lhe ser causados acarretarão prejuízos em consonância com suas características e peculiaridades. Isto posto, torna-se tarefa árdua generalizar a ocorrência e, por conseguinte, a responsabilização e reparação de danos morais causados.

Ocorre que tais parâmetros adotados pelo TJMG servem apenas de base para limitação de ocorrência dos danos, e não para a fixação de valores liquidados. Por exemplo, no acórdão acima transcrito, a pessoa ofendida pela negligência do responsável pelo zelo com aqueles que alugavam seus Karts mereceu reparação pelos danos morais causados à sua integridade física, sendo que tal fato lhe deixou sequelas eternas. Agora, a vítima, caso fosse um artista de renome, ou uma modelo famosa, certamente colheria maiores angústias e consequências pelas sequelas do acidente. Obviamente que, nas duas situações distintas, os parâmetros seriam os mesmos para se fixar a necessidade de reparação pelos danos morais causados, mas os valores certamente seriam diversos, pois as consequências também o seriam. 

      Nessa esteira segue o posicionamento do TJMG na fixação do dever de indenizar pelos danos morais causados. Existem inúmeras jurisprudências sobre o tema, mas não existem valores pré-fixados, pois conforme mencionado alhures, os casos concretos devem ser analisados sob a ótica individual por conterem peculiaridades únicas. Essa diferenciação não visa “diminuir” uma pessoa em relação à outra, por ter maior ou menor importância para a tutela jurisdicional do estado, mas sim diferenciar as consequências que condutas idênticas podem ter em pessoas distintas.

      Aqui, vale a aplicação da chamada igualdade de Aristóteles  que veio a tornar-se um verdadeiro jargão no mundo jurídico: "A verdadeira igualdade consiste em tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualem”, sendo que tal afirmação ganhou inclusive status Constitucional no denominado princípio da Isonomia constante no artigo 5º da respectiva Carta Magna.

       Mesmo em decisões de 1ª instância, percebe-se a utilização de parâmetros jurisprudenciais presentes, e aqui vale ressaltar uma peculiaridade existente na grande maioria das ações indenizatórias do TJMG que é a observação do caráter pedagógico das condenações. Segundo Claudio Cavalcante Salmito, advogado especialista no assunto, 

       A soma não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento nem tão pequena que se torne inexpressiva. Os excessos e as mitigâncias só levam à desmoralização do instituto, restando necessário que se considere os princípios da proporcionalidade, da equidade, razoabilidade, e principalmente o bom senso do julgador. (SALMITO, 2011).

     Nesse diapasão percebe-se uma preocupação constante nas decisões oriundas do TJMG, em se tratando de condenação ao pagamento por danos morais, de se observar o caráter pedagógico da condenação para que assim esta não se torne sem efetividade, e ao mesmo tempo sirva de instrumento a coibir a reincidência do mesmo ato pelo agente. Em recente decisão proferida pelo Magistrado Dr. Fabrício Simão da Cunha Araújo , do TJMG, é possível observar tal preocupação pedagógica na mensuração dos danos morais a serem arbitrados:

     O valor da indenização decorrente do dano moral se mede pela consideração da dimensão compensatória e pela dimensão inibitória da reparação. Na primeira, deve-se ponderar a extensão do dano, de acordo com o valor do bem jurídico afetado na tábua axiológica da Constituição da República e também as condições pessoais da vítima antes e depois da lesão. Na segunda, calcado na teoria do valor do desestímulo, deve-se considerar a necessidade de que o quantum sirva de meio pedagógico ao condenado para não reiterar a conduta ilícita, ponderando o grau de sua culpa e suas condições econômicas, sem consistir em vantagem desmedida para o ofendido. Neste diapasão, consideradas as peculiaridades do caso já abordadas, entendo que, observado o disposto no artigo 6º, da Lei 9.099 de 1995, o valor da indenização por danos morais deva ser arbitrado em R$ 4.000,00. 

O Magistrado é taxativo ao mencionar que o caráter pedagógico da condenação deverá servir de desestímulo à reincidência do ato que ocasionou a reparação por danos morais ao ofendido, sendo este um dos critérios mais amplamente buscados nas decisões do TJMG que fixam condenações nesse sentido.

O TJMG busca através dos critérios expostos, reparar o ofendido sem que isso se torne uma fonte de enriquecimento ilícito. Busca utilizar-se de parâmetros já existentes em decisões proferidas por seus membros, porém fixando valores através de critérios subjetivos que levem em conta as peculiaridades de cada caso analisado de maneira isolada. Busca também observar o critério pedagógico acima descrito de suas condenações, pois de nada valeria uma condenação que não contivesse em seu bojo o temor de uma reincidência por parte do agente causador do dano. Caso a condenação não imputasse tal receio ao agente, esta restaria sem efetividade, e na concepção atual do TJMG não basta tão e somente reparar financeiramente o ofendido pelos danos suportados, mas também deve-se criar um mecanismo de evitar novas condutas idênticas, e isso só se faz possível através da observância do caráter pedagógico, prática esta presente na grande maioria das decisões do referido Tribunal.

CONCLUSÃO

Conclui-se o presente trabalho, que os danos morais não são possíveis de ser contabilizados, como ocorre com os danos materiais, mas, suas consequências são latentes na esfera subjetiva da vítima de tais danos. Faz-se necessária portanto uma demonstração dessas consequências para um correto entendimento e posterior julgamento da indenização a ser aplicada pelo julgador, sendo diversas em cada caso específico.
Nesse contexto, estando presentes tais consequências, será possível ao julgador exercer seu poder jurisdicional e aplicar a justa penalidade ao caso concreto. Em âmbito Estadual, conforme prelecionado alhures, o TJMG busca ser equânime em suas decisões proferidas dentro de ações de cunho indenizatório. Este Tribunal faz-se valer de jurisprudências existentes dentro de suas próprias delimitações de jurisdição, com posicionamentos sedimentados, aplicando tais decisões de maneira parametrizada a cada caso, observando as peculiaridades de cada um, em consonância com o aludido princípio Constitucional da Isonomia.

      Isso significa que serão utilizados parâmetros para estabelecer os valores das indenizações, mas em cada caso específico tais parâmetros serão aplicados de forma diversa, pois nem sempre uma mesma conduta ocasionará o mesmo mau a dois indivíduos diferentes. 
Tais reparações sempre serão pautadas pelo seu caráter pedagógico, ou seja, terão além do condão de reparar o mau causado, evitar que tal mau aconteça novamente reiteradas vezes, buscando resguardar a coletividade de ofensas aos chamados direitos de personalidade de cada um de seus indivíduos.

LUIZ CLÁUDIO SALUSTIANO DE OLIVEIRA/ ADVOGADO

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil. Vade Mecum compacto. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRASIL. Código de Processo Civil. Vade Mecum compacto. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG. Embargos de declaração nº 1.0024.07.515139-9/002. Relatora: Des. Selma Marques. 29 de junho de 2009.

BRASIL. STJ, Ac Unânime 4ª T.m Recurso Especial nº 506.437/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 16 de setembro de 2003.

BRASIL. TJMG. Sentença autos do Processo nº: 9005647.59.2010.813.0024. em 29 de abr. de 2012.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 18º ed., 2002, 1º vol.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1998.

FIUZA, Cézar. Direito Civil: Curso completo. 7.ed. ver., atual. e ampliada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

MORAES, Maria Celina Bodim de. Recusa à realização do exame de DNA na investigação de paternidade e direitos de personalidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

ROSENVALD, Nelson e FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil – Teoria Geral, Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006.

SALMITO, Claudio Cavalcante. O esquecido caráter pedagógico das condenações de dano moral brasileiras. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3047, 4 nov. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20356>. Acesso em: 3 jun. 2012.

SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

SOARES, Milton Delgado.  Direito Civil. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2009.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Pedido de suspensão de prazos da OAB/MG é negado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais indeferiu pedido da OAB/MG para a suspensão de prazos entre os dias 7 de janeiro de 2014 a 17 de janeiro de 2014, como já deferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Assim, o recesso na justiça comum será de 20 de dezembro a 6 de janeiro.
O presidente da Seccional Mineira, Luís Cláudio Chaves disse lamentar profundamente a decisão. “Infelizmente perdemos, mais uma vez, o pleito de suspensão de prazos no TJMG. Peço desculpas aos colegas pela frustração, mas não faltou empenho. Agradeço aos poucos juízes e Desembargadores que nos apoiaram”.

Laudo médico assinado por cardiologistas da Universidade de Brasília (UnB) e entregue nesta terça-feira (26) ao Supremo Tribunal Federal (STF) afirma que a cardiopatia do ex-presidente do PT e deputado federal licenciado José Genoino "não se caracteriza como grave" e que não há necessidade de tratamento domiciliar permanente.

http://g1.globo.com/politica/mensalao/noticia/2013/11/laudo-diz-que-caso-de-genoino-nao-se-caracteriza-como-grave.html

O DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO

O DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO

1 INTRODUÇÃO

     Faz-se necessária, uma análise da matéria envolvendo o direito de greve do servidor público uma vez que, por ausência da devida regulamentação, não se tem um posicionamento unânime por parte de juristas, doutrinadores e nem da própria administração pública sobre como lidar com este suposto direito, mesmo que limitado, do servidor público em reivindicar seus direitos via o instrumento da greve.

     Diante desse quadro, surge uma situação controversa por pesar sobre os ombros da administração pública o principio da continuidade do serviço público. Se há os que defendem fervorosamente este direito, em contrapartida existem os que o questiona a sua legalidade devido à ausência concreta e efetiva de sua regulamentação.

     Vejamos um breve conceito a respeito de greve, que para o professor Aurélio Buarque De Holanda Ferreira seria “uma recusa, resultante de acordo de operários, estudantes, funcionários, etc., a trabalhar ou comparecer onde o dever os chama, enquanto não sejam atendidos em certas revindicações (1986, p. 868)”. Já a Lei 7.783/89 em seu artigo 2º descreve a greve como “a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços ao empregador”.

     Deve-se ainda ressaltar a essencialidade do serviço público uma vez que o objetivo maior é a prestação de serviços à coletividade, e como consequência, o próprio servidor público passa a integrar este contexto de continuidade, já que seria ele o responsável em realizar este serviço.

2 ORIGENS DA GREVE

     A greve desponta no meio social como uma forma coercitiva de fazer com que o empregador aceite revindicações de classes trabalhadoras através da descontinuidade dos serviços prestados por eles, tendo seus primeiros registros no início de 650 A.C (segundo episódio Bíblico narrado no “Êxodo – Capítulo V).

     A palavra “greve”, que tem origem Francesa, significa “não trabalho”, e nesse escopo pode ser compreendida pela paralisação geral ou parcial de classes de trabalhadores em virtude de suas revindicações não concedidas, ou mesmo em busca de melhores salários ou condições de trabalho. Para Alice Monteiro de Barros, a greve, que é conceituada pelo art. 2º da Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, trata-se da “a suspensão coletiva temporária e pacífica, total ou parcial, da prestação pessoal de serviços ao empregador.” (BARROS, 2010, p. 260).

     No Brasil, têm-se registros das primeiras greves entre os anos de 1.602 a 1.644, advindas de rebeliões de escravos em várias partes do país, como na Bahia, Minas Gerais e Alagoas, tendo algumas contado inclusive com o apoio de abolicionistas, tais como Antônio Bento, Silva Jardim, e Luiz Gama . Essas rebeliões podem ser entendidas como os primeiros movimentos de greve pois eram paralisações de trabalho motivadas por reivindicações de melhorias de condições. Fora do contexto dos movimentos grevistas de escravos em busca de melhores condições de trabalho, a primeira greve realizada por trabalhadores assalariados ocorrida no Brasil tem seu registro no ano de 1.858, no Rio de Janeiro, em um movimento organizado pelos gráficos cariocas que buscavam melhoria salarial. Naquela data, a cidade do Rio de Janeiro amanheceu sem jornais, o que contribui em muito para a difusão do movimento que foi prontamente seguido por outras classes de trabalhadores a saber:

Ferroviários de Barra do Piraí, em 1863.
Caixeiros do Rio de Janeiro, em 1.866.
Ferroviários da central do Brasil, em 1.891.
Estivadores do Rio de Janeiro, em 1.900.
Sapateiros no Rio de Janeiro, também em 1.900.

     Valendo destacar a greve ocorrida no ano de 1.978 no ABC Paulista entre os metalúrgicos da indústria automobilística, que serviu de ponto de partida a inúmeros outros movimentos posteriores e a formação de entidades tais como a CUT (Central Única dos Trabalhadores), a CGT (Central Geral dos Trabalhadores), entre outros, conforme preleciona Boito e Noronha em sua obra:

     Em 1.978 os metalúrgicos da região do ABC abriram um ciclo de greves sem precedentes na história dos conflitos Brasileiros. Sua principal característica durante a década foi a incorporação crescente de categorias ou segmentos de trabalhadores que jamais haviam experimentado o confronto direto. Em 1.978 foram deflagradas 118 greves, e dez anos depois elas passaram a somar 2.188. O número anual de grevistas aumentou sessenta vezes e, entre esses mesmos anos, o número de jornadas não trabalhadas (o indicador síntese de greves) pulou de 1,8 milhão para 132 milhões. (BOITO, NORONHA, 1991, p. 95).

     É de grande relevância o estudo do surgimento do sindicalismo no Brasil, que contribuiu de forma efetiva para a obtenção de direitos trabalhistas no país, entre esses, o direito de greve. Segundo Steike:
A partir de 1.930, mesmo diante de um quadro desfavorável, iniciou-se o desenvolvimento de uma legislação trabalhista que avançara em 19 de março de 1.931 com a promulgação do Decreto nº 19.770, que seria considerada a primeira lei sindical Brasileira, logo após a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio no governo de Getúlio Vargas. (STEINKE, 2000, p. 2).

     Este Decreto tratava da regulamentação e organização sindical pelo Ministério do Trabalho, buscando fortalecer os sindicatos que tiveram relevante importância no surgimento de inúmeros movimentos grevistas no país. Através desse decreto era estabelecida a unicidade sindical, que vinha a fortalecer os sindicatos de classes de trabalhadores, sendo mais tarde abolida pela Constituição federal de 1.934 que adotou o princípio da pluralidade sindical, enfraquecendo assim os sindicatos, sendo somente adotado o princípio da unicidade sindical em 1.937, com a promulgação de nova Carta Magna. Insta ressaltar que na égide da mencionada Constituição Federal de 1.937 foi promulgada a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), importante ferramenta asseguradora de direitos das classes trabalhadoras, inclusive do direito de greve, assegurado mais adiante na Constituição federal de 1.998.

     A Constituição Federal de 1.988 trouxe de forma expressa em seu texto o direito de greve, reconhecendo-o como garantia fundamental. Tal direito está previsto em seu artigo 9º:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

     Tendo em vista as origens do direito de greve concomitantemente a outros direitos fundamentais, há de se ressaltar que não existem em uma organização jurídica direitos que sejam absolutos, que tenham o condão de se sobrepor a outros direitos de forma ilimitada. Desta feita, entende-se que o direito de greve assegurado Constitucionalmente, e estendido também aos servidores da Administração Pública não podem ser exercidos em desencontro a outros direitos e garantias fundamentais assegurados no mesmo diploma legal, buscando evitar assim a ocorrência de prejuízos sociais, temporários ou permanentes, visto ser a Administração Pública responsável pelo cumprimento de diversos serviços de ordem essencial. Tal assertativa encontra guarida nas lições de Arnaldo Sussekind:

     Se a Carta Magna Brasileira [...] determinou que a lei definisse os “serviços ou atividades essenciais” e dispusesse “sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da população”, punindo “os abusos cometidos”, parece lógico concluir que admitiu limitações ao exercício do direito de greve. Ele não é absoluto, devendo respeitar os superdireitos fundamentais do ser humano (SUSSEKIND, 2001, p.451).

     Surge assim o questionamento acerca do direito de greve no serviço público, que objetiva em primeiro plano assegurar a prestação de serviços tidos como essenciais à coletividade, tais como segurança pública, saúde, transporte público, educação, entre outros, sendo este o cerne do presente estudo.
Para tanto, insta em primeiro plano caracterizar o servidor público de forma contextualizada no ordenamento jurídico Brasileiro para assim vislumbrarmos seu direito de greve nos moldes da legalidade.

3 O SERVIDOR PÚBLICO

     A Constituição Federal de 1988, em seu capítulo que versa a respeito da Administração Pública, utiliza a expressão “Servidores Públicos” para qualificar todos aqueles que prestam serviço com vínculo de caráter permanente ou temporário à Administração Pública seja ela direta, ou indireta. Sobre tal denominação, preleciona Maria Sylvia Zanella di Pietro em sua obra:

     Isso significa que ‘servidor público’ é a expressão empregada ora em sentido amplo, para designar todas as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício, ora em sentido menos amplo, que exclui os que prestam serviços às entidades com personalidade jurídica de direito privado. Nenhuma vez a Constituição utiliza o vocábulo funcionário, o que não impede que este seja mantido na legislação ordinária.” (DI PIETRO, 2009, p. 510).

     Nesse ínterim, delimitados pela definição supramencionada, podemos elencar quem seriam então os Servidores Públicos na atual esfera administrativa Estatal, a saber: Os servidores estatutários (Aqueles sujeitos aos regimes estatutários, quer seja, estatutos com regras específicas, diversos da CLT, e que prestam serviços dentro da Administração Pública), os empregados públicos (Contratados sob regime da CLT, e que exercem suas atividades dentro da Administração pública), e também os servidores temporários (Que são contratados dentro de um período previamente determinado, e assim exercem suas funções em nome da Administração Pública, e em razão de excepcional interesse público, assegurado pelo artigo 37, inciso IX da Constituição Federal).

     Cabe ressaltar que “servidor público” é espécie do gênero “agente público”, sendo estes os aprovados em concurso público, que passaram pelo estágio probatório de cunho obrigatório, e que após esse período adquiriram estabilidade. Porem, mesmo antes de adquirirem estabilidade, já podem ser considerados servidores públicos, pois atuam em nome da administração pública.
Não se deve confundir o supramencionado conceito de servidor público com a noção de função pública exercida, ou mesmo mandado eletivo. Para um maior discernimento do exposto, cabe trazer o que diz Rogério Greco em sua obra:

     Cargo, na precisa lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, “são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de  direito público e criadas por lei”. Função pública é aquela exercida por servidor público, ou não, mas desde que realizada no interesse da Administração. O particular, agindo nessa condição,  considera-se como funcionário público por equiparação, extensão ou assimilação, nos termos do art. 327 do Código Penal.  Mandato eletivo é aquele conquistado por voto popular e que pela sua própria natureza possui um tempo certo de duração, podendo ou não ser renovado. (GRECO, 2005, p.736)

Desta feita, conclui-se que servidores são sempre aqueles que exercem funções públicas ou cargos da Administração Pública, seja em caráter temporário ou permanente, sendo concursados ou contratados, e em razão dela.

3.1 OS MILITARES

     Dentre os militares, incluem-se todas as pessoas físicas que prestam serviços às forças armadas, seja Exército, Marinha, Aeronáutica, ou Polícias Militares e Corpo de Bombeiros dos Estados e Distrito Federal, sendo, pois remunerados pela Administração Pública, sob o regime estatutário e com especificidades próprias.

     Tais pessoas, até a emenda Constitucional nº18/98, eram tidas como servidores públicos, tais quais todos os outros assim definidos e alhures explicitados. A partir da promulgação dessa emenda, passaram a ser denominados Servidores Públicos Militares, lhes sendo aplicáveis as normas previstas aos servidores públicos somente onde houver previsão expressa nesse sentido.

     Desta feita, aos militares lhe são asseguradas algumas garantias e vantagens inerentes aos trabalhadores da iniciativa privada, tais como décimo terceiro salário, licença a gestante, salário família, e outras inerentes aos servidores públicos, como garantia de irredutibilidade salarial, estabilidade, teto salarial, e algumas limitações, como veremos adiante ao tratar do direito de greve entre aqueles que prestam serviço público de caráter essencial.

4 O DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO

     Conforme mencionado alhures, na história mundial a greve era considerada um delito tendo sido amplamente reprimida por algumas Leis da antiguidade, tais como a Lei Chapellier de 1791, na França, e o Código de Zanardelli, de 1889, na Itália. Tal consideração se fazia presente principalmente dentro do sistema corporativista, sendo hoje considerada um direito, dentro de Estados democráticos. A Constituição Federal de 1988 assegura aos trabalhadores empregados esse direito, deixando dúvidas apenas quanto à extensão de tal prerrogativa aos servidores públicos, incluindo os militares, pelo fato de desempenharem funções essenciais à coletividade.

     O direito de greve é regulado pela Lei 7.783/89, e revela ter a greve uma natureza jurídica não apenas de liberdade, mas de efetivo direito no sentido de ser a greve garantida e disciplinada em lei. Acerca dos servidores públicos, estes foram abarcados pelo direito de greve na Emenda Constitucional nº 19 de 1998, em seu artigo 37, inciso VII:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;

     A Constituição Brasileira de 1969, anterior à atual, proibia o direito de greve aos servidores públicos em seu artigo 162: “CF/69 Art. 162. Não será permitida greve nos serviços públicos e atividades essenciais, definidas em lei.”  Valendo lembrar que tal Constituição foi uma nova redação dada à Constituição Brasileira de 1967 através da emenda Constitucional nº1 decretada pelos Ministros Militares no exercício da Presidência da República na época, sendo considerada por alguns, apesar de ser apenas uma emenda constitucional, uma nova Constituição outorgada.

     Ainda sobre a Carta Magna de 1969 insta ressaltar que ela nada pronunciava a respeito da associação sindical dos servidores públicos, sendo tal assunto disciplinado posteriormente pela CLT em seu artigo 566.
Com o advento da promulgação da Constituição Federal de 1988, foi assegurado aos servidores públicos o direito de greve, em seu artigo 37, a saber:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:


[...] VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).


     Com fulcro no dispositivo legal acima descrito, depreende-se que o direito de greve é expressamente garantido aos servidores públicos. Porém, observa-se a necessidade de “lei específica” para delinear os limites desse direito. Partindo desse ponto, faz-se mister trazer à baila as observações de Di Pietro acerca do tema:

     Já com relação ao direito de greve, a situação é outra, porque o artigo 37, VII, exige expressamente lei específica que lhe defina os limites. O direito de greve do trabalhador, referido no artigo 9º da Constituição, foi disciplinado pela lei nº 7.783, de 28-06-89, cujo artigo 16 estabelece que, ‘para fins previstos no artigo 37, inciso VII, da Constituição, lei complementar definirá os termos e os limites em que o direito de greve poderá ser exercido’; quis o legislador deixar bem claro que as disposições dessa lei não se aplicam aos servidores públicos. (DI PIETRO, 2010, p. 548).

     Assim, entende-se que, muito embora o artigo 37 da Constituição Federal inclua de maneira implícita os servidores da Administração direta e indireta, a referida lei disciplinadora do direito de greve aplica-se tão somente aos empregados públicos das empresas públicas e sociedades de economia mista, por força do artigo 173, §1º, II do mesmo diploma legal, que a estes assegura o regime jurídico idêntico aos das empresas privadas. Outrossim, quando estão desempenhando atividade considerada de caráter essencial, em que possa ocorrer lesão à coletividade e ao interesse público, o Ministério do Trabalho poderá intervir por meio de ajuizamento de dissidio coletivo.

     O STF sempre se posicionou no sentido de que o preceito Constitucional que assegura o direito de greve do servidor público possui eficácia limitada, não devendo em nenhuma hipótese ser utilizado enquanto não disciplinado por lei, entretanto, em recente julgado relatado pelo Ministro Eros Grau, “foi asseverado que o direto de greve deve ser restringido para algumas categorias que exercem atividades relacionadas à manutenção da ordem pública.” (2009, p.548). Esse novo posicionamento pode ser vislumbrado em decisões ultimamente proferidas pelo STF, como no Mandado de Injunção coletivo impetrado pela Confederação dos Servidores Públicos do Brasil naquele órgão:

     DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta - ante a ausência de auto- aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição - para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida - que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público - constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional. Essa situação de lacuna técnica, precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve, justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção. A inércia estatal configura-se, objetivamente, quando o excessivo e irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa - não obstante a ausência, na Constituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessária norma regulamentadora - vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários. MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, do mandado de injunção coletivo, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados pela Constituição. Precedentes e doutrina.

     Nesse diapasão, fica evidenciada a dificuldade encontrada pelo legislador ao tentar disciplinar o direito de greve do servidor público, por se tratar de atividade essencial na maioria das vezes, onde sua interrupção pode vir a causar danos à coletividade, muitas vezes, irreparáveis. Aqui, a greve daqueles que desempenham os chamados “serviços essenciais” passa a ganhar relevante notoriedade em face do seu alto grau de importância social frente à coletividade, que tem garantias Constitucionalmente asseguradas e que de forma alguma devem ser abruptamente interrompidas, tais como segurança pública, saúde, entre outros.
Ainda sobre os chamados serviços essenciais, insta mencionar a definição que lhes foi dada por Barros em sua obra:

     São considerados serviços ou atividades essenciais: Tratamento e abastecimento de água, produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; assistência médica e hospitalar; distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; funerários; transporte coletivo; captação e tratamento de esgoto e lixo; telecomunicações; guarda, uso e controle de substancias radioativas; equipamentos e materiais nucleares; processamento de dados ligados a serviços essenciais; controle de tráfego aéreo e compensação bancária (art. 10). Nesses serviços, os sindicatos, os patrões, e os trabalhadores ficam obrigados a garantir durante a greve a prestação indispensável ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim consideradas aquelas que, não atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população (art. 11). (BARROS, 2010, p.1312).

     A responsabilização em face do direito de greve exercido ocorre de forma semelhante aos serviços comuns, porem, é efetivamente mais rigorosa, pois a Lei 7.783/89 exige que sejam mantidas as atividades essenciais mesmo com a deflagração da greve. Referida lei traz em seu bojo duas situações consideradas inadiáveis mesmo em período de greve, a primeira diz respeito à manutenção em funcionamento das máquinas e equipamentos que podem deteriorar-se em caso de interrupção das atividades, e daqueles necessários à retomada das atividades da empresa quando a greve chegar ao fim. A segunda situação diz respeito às atividades consideradas indispensáveis à comunidade, atingindo assim os servidores públicos, que na maioria das vezes são responsáveis por  tais atividades. São serviços que, quando interrompidos, colocam em perigo iminente a saúde pública, a segurança, e até mesmo a sobrevivência.

     Aplica-se nessas situações o princípio da “continuidade do serviço público”, que não vem a vedar o direito de greve como um todo, mas apenas assegurar que seja mantido um funcionamento mínimo de tais serviços durante o período de greve. Tal princípio não proíbe o exercício de greve dos servidores, mas apenas o limita e assegura um funcionamento mínimo desses serviços.

     A Lei 7.783, no art. 11, foi incisiva: ‘ Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados , de comum acordo, a garantir durante a greve a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, que a teor do parágrafo único são aquelas que sendo desatendidas colocam  perigo iminente a sobrevivência , a saúde, ou a segurança da população’. Os serviços e atividades inadiáveis foram traçados num rol exaustivo constante do art. 10, constituindo responsabilidade comum do sindicato profissional e dos empregadores ou de sua entidade de classe. Consequência do dissenso, segundo o art. 12 da lei, é a atuação do poder público, que assegurará a prestação dos serviços. (AROUCA, 2008, p.48).

     Destarte, não se pode concluir de maneira contundente que o direito de greve previsto e regulado pela Lei 7.783/89 aplica-se somente aos trabalhadores empregados na iniciativa privada, pois caso assim fosse, estaríamos cerceando o servidor público que presta serviços essenciais de um direito fundamental, colocando-o em uma situação de inferioridade frente aos empregados da iniciativa privada. Seria uma enorme desigualdade de tratamento, e sem dúvidas uma ofensa ao princípio Constitucional da isonomia. Nesse diapasão, mesmo entre decisões contrárias, a Corte especial do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no ano de 2002, decidiu de forma majoritária:

     O governo está ficando refém de sua odiosa política de amesquinhamento do servidor público com o achatamento perverso dos salários e o corte de vantagens já auferidas há anos. As greves estão estourando em diversos setores da Administração, direta ou indireta. Nesse momento temos greve dos professores, dos servidores da previdência, da Imprensa nacional. Paralisações de outros serviços já ocorreram. Essa desastrosa política está levando o país ao caos.

     Outras paralisações, sem dúvida, acontecerão. Ninguém faz greve por prazer, diversão. O governo age de maneira insensível com os grevistas. A alegação de sempre é que as greves são “motivadas por interesses corporativos, políticos e pessoais”. Alegação que não convence ninguém, nem a ele próprio. São atos de força que pratica. Não dialoga com o servidor grevista. E quando, raras vezes e já numa situação crítica, resolve conversar, faz acertos, para logo depois voltar atrás. É triste o que acontece. Muito triste. Está na hora de o governo dialogar com os grevistas da Imprensa Nacional e apresentar uma digna proposta de acordo. (...). (TRF, 2002, p.50)

     Buscando inspiração em Norberto Bobbio, podemos arguir que um direito que não pode ser exercido pode ser considerado um direito? Sob a égide desse raciocínio contextualizado com o presente estudo, é oportuno trazer à baila as palavras do renomado jurista Norberto Bobbio:

Uma coisa é um direito; outra, a promessa de um direito futuro. Uma coisa é um direito atual; outra, um direito potencial. Uma coisa é ter um direito que é, enquanto reconhecido e protegido; outra é ter um direito que deve ser, mas que, para ser, ou para que passe do dever ser ao ser, precisa transformar-se, de objeto de discussão de uma assembleia de especialistas, em objeto de decisão de um órgão legislativo dotado de poder de coerção”  (BOBBIO, 2004, p. 92 e 97).

     Caso seja levada ao pé da letra a necessidade de elaboração de uma norma regulamentadora para que assim os servidores públicos possam exercer seu direito de greve, seremos levados a uma situação fática onde tal direito será apenas uma expectativa de direito, não existindo no mundo real, visto ter sido nossa Constituição promulgada no ano de 1988 e a necessária norma regulamentadora ainda não publicada até os dias atuais.

      Essa situação deixaria em aberto um enorme lapso temporal de lacuna legislativa dentro do qual, inúmeros atos de desrespeito aos direitos de servidores públicos já foram anteriormente praticados. Não basta apenas reconhecer a existência desse direito em nossa Constituição. É necessário que seu exercício seja plenamente respeitado desde que exercido dentro dos limites legais impostos aos trabalhadores da iniciativa privada, e desde que também não seja exercido de maneira antagônica aos interesses coletivos, conforme exaustivamente asseverado no decorrer do estudo.

      Nesse ponto faz-se mister destacar o Decreto Presidencial nº 1.480/95 , que veio a limitar o direito de exercício de greve dos servidores públicos, baseado na inexistência da mencionada norma regulamentadora. Tal decreto exorta que as faltas de servidores públicos em razão de movimentos grevistas não sejam em nenhuma hipótese compensadas ou abonadas, podendo inclusive ensejar exoneração do servidor ocupante de cargo ou função comissionada que agir de maneira contraria ao que está expresso no presente decreto. Tal dispositivo legal olvida-se de diferenciar movimentos legítimos dos ilegítimos, sendo prejudicial essa igualdade de situações existente nos preceitos do referido Decreto, que vai de encontro ao princípio Constitucional da igualdade. O direito de greve do servidor público não pode, de maneira alguma, ficar à margem do ordenamento jurídico pela omissão legislativa de quase duas décadas.

     Desta feita, não seria apropriado abominar o uso da Lei 7.783/89 de maneira analógica aos servidores públicos para suprir a falta da lei específica que trata o artigo 37 do texto Constitucional, sob a falaciosa fundamentação de que esta referida Lei somente abarca situações ocorrentes na iniciativa privada, ou pelo fato de que a lei aqui descrita não enfatiza de maneira taxativa quais são realmente as atividades de cunho essencial. Esses serviços essenciais, sejam prestados diretamente pelo Poder estatal, sejam prestados pela iniciativa privada mediante delegação de funções, são todos serviços públicos, de igual maneira. Assim, a aplicação analógica da lei 7.783/89 em suprimento à lacuna legislativa existente, não ofende o princípio da continuidade do serviço público, desde que seja exercido esse direito dentro dos limites da legalidade conforme estudado. Felizmente, este vem sendo o pensamento majoritário de nossos tribunais hodiernamente.

5 CONCLUSÃO

     Diante de todo o exposto, fica claro ser o direito de greve um patrimônio dos trabalhadores, conquistado após anos de evolução histórica no âmbito das relações trabalhistas, propiciando assim uma ferramenta capaz de dar-lhes força no pleito de suas aspirações por melhorias salariais e de condições de trabalho. Tal direito ganhou status Constitucional, conforme demonstrado alhures, e por conseguinte, ganhou regulamentação própria através da aludida Lei 7.783 na iniciativa privada, que sempre foi o grande bojo das relações trabalhistas e seus embates por melhorias salariais.

     Ocorre que, com a ascenção do estado democrático de Direito, e a promulgação de diversas Constituições no decorrer da história, uma série de serviços, antes restritos da atividade Estatal, passaram a ser delegados à iniciativa privada, que logo se viu desempenhando funções de essencial importância social, anteriormente atribuídas em exclusividade ao estado.

     Com o passar dos anos, e a evolução social crescente, diversas foram as atividades que passaram a ser tidas como de caráter essencial, tais como o poder de polícia e segurança social, atendimento médico, educação, transporte, entre outras, sendo que a ausência de quaisquer destas, poderia levar a coletividade a um estado de caos total, podendo inclusive trazer consequências talvez irrecuperáveis. Exemplo disso é imaginar uma paralisação completa dos serviços de atendimento à saúde da população. Tal paralisação poderia levar inclusive à morte aqueles que necessitassem de atendimento médico público durante o período de greve, sendo que tal consequência seria irreparável por parte do estado, levando-nos assim a uma maior compreensão da impossibilidade de paralisação geral de algumas atividades Estatais.

     Decorre desse princípio da continuidade do serviço público, aliado a enormidade de empregados estatais, a limitação do direito de greve do servidor público, tema do presenta estudo. Trata-se de uma controvérsia que atingiu patamares judiciais, tendo sido exaustivamente discutida na doutrina, principalmente acerca dos abusos e cometimento de atos ilícitos no curso da greve exercida por servidores públicos.

     Tal controvérsia ganhou maiores proporções a partir do momento em que a atividade Estatal começou a abarcar uma gama maior de atribuições, e como consequência, aumentou seu quadro de servidores de maneira descontrolada fazendo com que passassem a existir divergências salarias entre eles.

     Muito se falou a partir de então sobre o direito de greve destes trabalhadores, porem, faltava ainda, conforme estudado, uma norma regulamentadora da situação, pois de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, a norma inscrita no artigo 37, inciso VII da Constituição Federal não possui auto aplicabilidade. O preceito Constitucional que reconhece esse direito de greve dos servidores públicos é norma de eficácia limitada, desprovida de auto aplicabilidade, dependendo assim de edição de norma regulamentadora conforme prevê o próprio texto Constitucional, e a ausência de tal norma impede o exercício desse direito. A edição dessa norma regulamentadora é requisito si ne qua non para seu pleno exercício, e essa lacuna legislativa acaba por inviabilizar esse direito dos servidores públicos.

     Assim, uma maior compreensão e entendimento sobre o assunto deverá obrigatoriamente passar pelo estudo da ausência da referida norma regulamentadora, e da necessidade de criação da referida norma.

     Atualmente, buscando suprir essa lacuna, o STF resolveu de maneira temporária a questão decidindo vários Mandados de Injunção apresentados por sindicatos representativos de servidores públicos visando a edição da norma. Através desses julgados, passou-se a adotar a mesma Lei de greve vigente na iniciativa privada, quer seja, a aludida Lei 7.783 por analogia. Destarte, os servidores públicos a partir de então passaram a ter seu direito de greve legalizado, porem devendo respeitar os limites impostos pela referida Lei.

     Dentre tais limites impostos pela Lei, alguns visam resguardar a manutenção dos chamados serviços essenciais, e sobre estes incidem a maioria das decisões que julgam ilegais os movimentos grevistas dos servidores, e justamente em tais decisões reside a divergência entre juristas, tribunais, e doutrinadores. Assim que um movimento é tido como ilegal, por conta da essencialidade da atividade exercida, surgem debates acerca do rol de tais atividades expresso na referida Lei, pois este é meramente exemplificativo, abrindo campo para que outras atividades sejam reconhecidas como essenciais e por conseguinte, que seja declarada a ilegalidade da greve que paralisa tais atividades. Aqui reside o grande questionamento quando uma atividade é considerada essencial, pois tal consideração passa pelo campo subjetivo do julgador.

     Insta ressaltar ainda que o direito de greve não é um direito absoluto, e cometimentos de atitudes ilegais em seu exercício deverão sempre ser punidos, responsabilizando seus causadores. Não obstante, atividades revestidas pelo caráter da essencialidade são absolutamente vedadas de serem interrompidas em sua integralidade, pois são o alicerce para a manutenção da ordem pública e o bom funcionamento social. Todo direito de greve deve ser respeitado, desde que não traga prejuízos sociais que muitas vezes são, conforme supramencionado, irremediáveis.

     Movimentos que remetam o direito de greve a uma atitude de autotutela, não levando em conta o bem estar social, como se viu recentemente nas greves deflagradas da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros devem ser declaradas ilegais de imediato pelo judiciário, pois, tais movimentos colocam em risco toda a coletividade conforme exaustivamente explicitado. No ato de se declarar uma greve como ilegal, o julgador deverá sempre analisar o caso concreto como um todo, em todos seus aspectos fáticos, utilizando-se sempre da razoabilidade e proporcionalidade.

     Em um país com dimensões continentais como o Brasil, não se pode vedar de maneira absoluta o direito de greve de uma determinada classe de trabalhadores, pois este, muitas das vezes, tem na greve seu único instrumento para pleitear seus anseios. Outrossim, deve-se sempre estar atento à essencialidade da atividade exercida para não causar prejuízos a terceiros que nada tem a ver com o movimento. A Lei 7.783 deve sim ser utilizada de maneira analógica aos servidores públicos, mas limites devem sempre ser impostos, pois, interesses de uma classe não devem se sobrepor aos interesses de todas uma coletividade. É importante nunca se olvidar de analisar a situação de maneira contextualizada, em seu todo,  antes de se decretar a ilegalidade do movimento grevista, fazendo-se valer do bom senso e de uma interpretação sistemática da Lei.
     Conclui-se o presente estudo com a necessidade do bom senso, da proporcionalidade, da razoabilidade e do equilíbrio de forças entre empregados, empregadores e Judiciário no que tange ao uso do direito de greve pelos servidores públicos. É desejável que tal direito venha cumprir seu objetivo primordial que é a negociação pacífica de melhorias salariais dos trabalhadores, assim como de suas condições de trabalho, sem que isso reflita de maneira nefasta em toda coletividade, que deverá ser sempre resguardada.


LUIZ CLÁUDIO SALUSTIANO DE OLIVEIRA/ ADVOGADO



REFERÊNCIAS

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2010.

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