quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO

O DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO

1 INTRODUÇÃO

     Faz-se necessária, uma análise da matéria envolvendo o direito de greve do servidor público uma vez que, por ausência da devida regulamentação, não se tem um posicionamento unânime por parte de juristas, doutrinadores e nem da própria administração pública sobre como lidar com este suposto direito, mesmo que limitado, do servidor público em reivindicar seus direitos via o instrumento da greve.

     Diante desse quadro, surge uma situação controversa por pesar sobre os ombros da administração pública o principio da continuidade do serviço público. Se há os que defendem fervorosamente este direito, em contrapartida existem os que o questiona a sua legalidade devido à ausência concreta e efetiva de sua regulamentação.

     Vejamos um breve conceito a respeito de greve, que para o professor Aurélio Buarque De Holanda Ferreira seria “uma recusa, resultante de acordo de operários, estudantes, funcionários, etc., a trabalhar ou comparecer onde o dever os chama, enquanto não sejam atendidos em certas revindicações (1986, p. 868)”. Já a Lei 7.783/89 em seu artigo 2º descreve a greve como “a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços ao empregador”.

     Deve-se ainda ressaltar a essencialidade do serviço público uma vez que o objetivo maior é a prestação de serviços à coletividade, e como consequência, o próprio servidor público passa a integrar este contexto de continuidade, já que seria ele o responsável em realizar este serviço.

2 ORIGENS DA GREVE

     A greve desponta no meio social como uma forma coercitiva de fazer com que o empregador aceite revindicações de classes trabalhadoras através da descontinuidade dos serviços prestados por eles, tendo seus primeiros registros no início de 650 A.C (segundo episódio Bíblico narrado no “Êxodo – Capítulo V).

     A palavra “greve”, que tem origem Francesa, significa “não trabalho”, e nesse escopo pode ser compreendida pela paralisação geral ou parcial de classes de trabalhadores em virtude de suas revindicações não concedidas, ou mesmo em busca de melhores salários ou condições de trabalho. Para Alice Monteiro de Barros, a greve, que é conceituada pelo art. 2º da Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, trata-se da “a suspensão coletiva temporária e pacífica, total ou parcial, da prestação pessoal de serviços ao empregador.” (BARROS, 2010, p. 260).

     No Brasil, têm-se registros das primeiras greves entre os anos de 1.602 a 1.644, advindas de rebeliões de escravos em várias partes do país, como na Bahia, Minas Gerais e Alagoas, tendo algumas contado inclusive com o apoio de abolicionistas, tais como Antônio Bento, Silva Jardim, e Luiz Gama . Essas rebeliões podem ser entendidas como os primeiros movimentos de greve pois eram paralisações de trabalho motivadas por reivindicações de melhorias de condições. Fora do contexto dos movimentos grevistas de escravos em busca de melhores condições de trabalho, a primeira greve realizada por trabalhadores assalariados ocorrida no Brasil tem seu registro no ano de 1.858, no Rio de Janeiro, em um movimento organizado pelos gráficos cariocas que buscavam melhoria salarial. Naquela data, a cidade do Rio de Janeiro amanheceu sem jornais, o que contribui em muito para a difusão do movimento que foi prontamente seguido por outras classes de trabalhadores a saber:

Ferroviários de Barra do Piraí, em 1863.
Caixeiros do Rio de Janeiro, em 1.866.
Ferroviários da central do Brasil, em 1.891.
Estivadores do Rio de Janeiro, em 1.900.
Sapateiros no Rio de Janeiro, também em 1.900.

     Valendo destacar a greve ocorrida no ano de 1.978 no ABC Paulista entre os metalúrgicos da indústria automobilística, que serviu de ponto de partida a inúmeros outros movimentos posteriores e a formação de entidades tais como a CUT (Central Única dos Trabalhadores), a CGT (Central Geral dos Trabalhadores), entre outros, conforme preleciona Boito e Noronha em sua obra:

     Em 1.978 os metalúrgicos da região do ABC abriram um ciclo de greves sem precedentes na história dos conflitos Brasileiros. Sua principal característica durante a década foi a incorporação crescente de categorias ou segmentos de trabalhadores que jamais haviam experimentado o confronto direto. Em 1.978 foram deflagradas 118 greves, e dez anos depois elas passaram a somar 2.188. O número anual de grevistas aumentou sessenta vezes e, entre esses mesmos anos, o número de jornadas não trabalhadas (o indicador síntese de greves) pulou de 1,8 milhão para 132 milhões. (BOITO, NORONHA, 1991, p. 95).

     É de grande relevância o estudo do surgimento do sindicalismo no Brasil, que contribuiu de forma efetiva para a obtenção de direitos trabalhistas no país, entre esses, o direito de greve. Segundo Steike:
A partir de 1.930, mesmo diante de um quadro desfavorável, iniciou-se o desenvolvimento de uma legislação trabalhista que avançara em 19 de março de 1.931 com a promulgação do Decreto nº 19.770, que seria considerada a primeira lei sindical Brasileira, logo após a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio no governo de Getúlio Vargas. (STEINKE, 2000, p. 2).

     Este Decreto tratava da regulamentação e organização sindical pelo Ministério do Trabalho, buscando fortalecer os sindicatos que tiveram relevante importância no surgimento de inúmeros movimentos grevistas no país. Através desse decreto era estabelecida a unicidade sindical, que vinha a fortalecer os sindicatos de classes de trabalhadores, sendo mais tarde abolida pela Constituição federal de 1.934 que adotou o princípio da pluralidade sindical, enfraquecendo assim os sindicatos, sendo somente adotado o princípio da unicidade sindical em 1.937, com a promulgação de nova Carta Magna. Insta ressaltar que na égide da mencionada Constituição Federal de 1.937 foi promulgada a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), importante ferramenta asseguradora de direitos das classes trabalhadoras, inclusive do direito de greve, assegurado mais adiante na Constituição federal de 1.998.

     A Constituição Federal de 1.988 trouxe de forma expressa em seu texto o direito de greve, reconhecendo-o como garantia fundamental. Tal direito está previsto em seu artigo 9º:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

     Tendo em vista as origens do direito de greve concomitantemente a outros direitos fundamentais, há de se ressaltar que não existem em uma organização jurídica direitos que sejam absolutos, que tenham o condão de se sobrepor a outros direitos de forma ilimitada. Desta feita, entende-se que o direito de greve assegurado Constitucionalmente, e estendido também aos servidores da Administração Pública não podem ser exercidos em desencontro a outros direitos e garantias fundamentais assegurados no mesmo diploma legal, buscando evitar assim a ocorrência de prejuízos sociais, temporários ou permanentes, visto ser a Administração Pública responsável pelo cumprimento de diversos serviços de ordem essencial. Tal assertativa encontra guarida nas lições de Arnaldo Sussekind:

     Se a Carta Magna Brasileira [...] determinou que a lei definisse os “serviços ou atividades essenciais” e dispusesse “sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da população”, punindo “os abusos cometidos”, parece lógico concluir que admitiu limitações ao exercício do direito de greve. Ele não é absoluto, devendo respeitar os superdireitos fundamentais do ser humano (SUSSEKIND, 2001, p.451).

     Surge assim o questionamento acerca do direito de greve no serviço público, que objetiva em primeiro plano assegurar a prestação de serviços tidos como essenciais à coletividade, tais como segurança pública, saúde, transporte público, educação, entre outros, sendo este o cerne do presente estudo.
Para tanto, insta em primeiro plano caracterizar o servidor público de forma contextualizada no ordenamento jurídico Brasileiro para assim vislumbrarmos seu direito de greve nos moldes da legalidade.

3 O SERVIDOR PÚBLICO

     A Constituição Federal de 1988, em seu capítulo que versa a respeito da Administração Pública, utiliza a expressão “Servidores Públicos” para qualificar todos aqueles que prestam serviço com vínculo de caráter permanente ou temporário à Administração Pública seja ela direta, ou indireta. Sobre tal denominação, preleciona Maria Sylvia Zanella di Pietro em sua obra:

     Isso significa que ‘servidor público’ é a expressão empregada ora em sentido amplo, para designar todas as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício, ora em sentido menos amplo, que exclui os que prestam serviços às entidades com personalidade jurídica de direito privado. Nenhuma vez a Constituição utiliza o vocábulo funcionário, o que não impede que este seja mantido na legislação ordinária.” (DI PIETRO, 2009, p. 510).

     Nesse ínterim, delimitados pela definição supramencionada, podemos elencar quem seriam então os Servidores Públicos na atual esfera administrativa Estatal, a saber: Os servidores estatutários (Aqueles sujeitos aos regimes estatutários, quer seja, estatutos com regras específicas, diversos da CLT, e que prestam serviços dentro da Administração Pública), os empregados públicos (Contratados sob regime da CLT, e que exercem suas atividades dentro da Administração pública), e também os servidores temporários (Que são contratados dentro de um período previamente determinado, e assim exercem suas funções em nome da Administração Pública, e em razão de excepcional interesse público, assegurado pelo artigo 37, inciso IX da Constituição Federal).

     Cabe ressaltar que “servidor público” é espécie do gênero “agente público”, sendo estes os aprovados em concurso público, que passaram pelo estágio probatório de cunho obrigatório, e que após esse período adquiriram estabilidade. Porem, mesmo antes de adquirirem estabilidade, já podem ser considerados servidores públicos, pois atuam em nome da administração pública.
Não se deve confundir o supramencionado conceito de servidor público com a noção de função pública exercida, ou mesmo mandado eletivo. Para um maior discernimento do exposto, cabe trazer o que diz Rogério Greco em sua obra:

     Cargo, na precisa lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, “são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de  direito público e criadas por lei”. Função pública é aquela exercida por servidor público, ou não, mas desde que realizada no interesse da Administração. O particular, agindo nessa condição,  considera-se como funcionário público por equiparação, extensão ou assimilação, nos termos do art. 327 do Código Penal.  Mandato eletivo é aquele conquistado por voto popular e que pela sua própria natureza possui um tempo certo de duração, podendo ou não ser renovado. (GRECO, 2005, p.736)

Desta feita, conclui-se que servidores são sempre aqueles que exercem funções públicas ou cargos da Administração Pública, seja em caráter temporário ou permanente, sendo concursados ou contratados, e em razão dela.

3.1 OS MILITARES

     Dentre os militares, incluem-se todas as pessoas físicas que prestam serviços às forças armadas, seja Exército, Marinha, Aeronáutica, ou Polícias Militares e Corpo de Bombeiros dos Estados e Distrito Federal, sendo, pois remunerados pela Administração Pública, sob o regime estatutário e com especificidades próprias.

     Tais pessoas, até a emenda Constitucional nº18/98, eram tidas como servidores públicos, tais quais todos os outros assim definidos e alhures explicitados. A partir da promulgação dessa emenda, passaram a ser denominados Servidores Públicos Militares, lhes sendo aplicáveis as normas previstas aos servidores públicos somente onde houver previsão expressa nesse sentido.

     Desta feita, aos militares lhe são asseguradas algumas garantias e vantagens inerentes aos trabalhadores da iniciativa privada, tais como décimo terceiro salário, licença a gestante, salário família, e outras inerentes aos servidores públicos, como garantia de irredutibilidade salarial, estabilidade, teto salarial, e algumas limitações, como veremos adiante ao tratar do direito de greve entre aqueles que prestam serviço público de caráter essencial.

4 O DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO

     Conforme mencionado alhures, na história mundial a greve era considerada um delito tendo sido amplamente reprimida por algumas Leis da antiguidade, tais como a Lei Chapellier de 1791, na França, e o Código de Zanardelli, de 1889, na Itália. Tal consideração se fazia presente principalmente dentro do sistema corporativista, sendo hoje considerada um direito, dentro de Estados democráticos. A Constituição Federal de 1988 assegura aos trabalhadores empregados esse direito, deixando dúvidas apenas quanto à extensão de tal prerrogativa aos servidores públicos, incluindo os militares, pelo fato de desempenharem funções essenciais à coletividade.

     O direito de greve é regulado pela Lei 7.783/89, e revela ter a greve uma natureza jurídica não apenas de liberdade, mas de efetivo direito no sentido de ser a greve garantida e disciplinada em lei. Acerca dos servidores públicos, estes foram abarcados pelo direito de greve na Emenda Constitucional nº 19 de 1998, em seu artigo 37, inciso VII:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;

     A Constituição Brasileira de 1969, anterior à atual, proibia o direito de greve aos servidores públicos em seu artigo 162: “CF/69 Art. 162. Não será permitida greve nos serviços públicos e atividades essenciais, definidas em lei.”  Valendo lembrar que tal Constituição foi uma nova redação dada à Constituição Brasileira de 1967 através da emenda Constitucional nº1 decretada pelos Ministros Militares no exercício da Presidência da República na época, sendo considerada por alguns, apesar de ser apenas uma emenda constitucional, uma nova Constituição outorgada.

     Ainda sobre a Carta Magna de 1969 insta ressaltar que ela nada pronunciava a respeito da associação sindical dos servidores públicos, sendo tal assunto disciplinado posteriormente pela CLT em seu artigo 566.
Com o advento da promulgação da Constituição Federal de 1988, foi assegurado aos servidores públicos o direito de greve, em seu artigo 37, a saber:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:


[...] VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).


     Com fulcro no dispositivo legal acima descrito, depreende-se que o direito de greve é expressamente garantido aos servidores públicos. Porém, observa-se a necessidade de “lei específica” para delinear os limites desse direito. Partindo desse ponto, faz-se mister trazer à baila as observações de Di Pietro acerca do tema:

     Já com relação ao direito de greve, a situação é outra, porque o artigo 37, VII, exige expressamente lei específica que lhe defina os limites. O direito de greve do trabalhador, referido no artigo 9º da Constituição, foi disciplinado pela lei nº 7.783, de 28-06-89, cujo artigo 16 estabelece que, ‘para fins previstos no artigo 37, inciso VII, da Constituição, lei complementar definirá os termos e os limites em que o direito de greve poderá ser exercido’; quis o legislador deixar bem claro que as disposições dessa lei não se aplicam aos servidores públicos. (DI PIETRO, 2010, p. 548).

     Assim, entende-se que, muito embora o artigo 37 da Constituição Federal inclua de maneira implícita os servidores da Administração direta e indireta, a referida lei disciplinadora do direito de greve aplica-se tão somente aos empregados públicos das empresas públicas e sociedades de economia mista, por força do artigo 173, §1º, II do mesmo diploma legal, que a estes assegura o regime jurídico idêntico aos das empresas privadas. Outrossim, quando estão desempenhando atividade considerada de caráter essencial, em que possa ocorrer lesão à coletividade e ao interesse público, o Ministério do Trabalho poderá intervir por meio de ajuizamento de dissidio coletivo.

     O STF sempre se posicionou no sentido de que o preceito Constitucional que assegura o direito de greve do servidor público possui eficácia limitada, não devendo em nenhuma hipótese ser utilizado enquanto não disciplinado por lei, entretanto, em recente julgado relatado pelo Ministro Eros Grau, “foi asseverado que o direto de greve deve ser restringido para algumas categorias que exercem atividades relacionadas à manutenção da ordem pública.” (2009, p.548). Esse novo posicionamento pode ser vislumbrado em decisões ultimamente proferidas pelo STF, como no Mandado de Injunção coletivo impetrado pela Confederação dos Servidores Públicos do Brasil naquele órgão:

     DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta - ante a ausência de auto- aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição - para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida - que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público - constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional. Essa situação de lacuna técnica, precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve, justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção. A inércia estatal configura-se, objetivamente, quando o excessivo e irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa - não obstante a ausência, na Constituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessária norma regulamentadora - vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários. MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, do mandado de injunção coletivo, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados pela Constituição. Precedentes e doutrina.

     Nesse diapasão, fica evidenciada a dificuldade encontrada pelo legislador ao tentar disciplinar o direito de greve do servidor público, por se tratar de atividade essencial na maioria das vezes, onde sua interrupção pode vir a causar danos à coletividade, muitas vezes, irreparáveis. Aqui, a greve daqueles que desempenham os chamados “serviços essenciais” passa a ganhar relevante notoriedade em face do seu alto grau de importância social frente à coletividade, que tem garantias Constitucionalmente asseguradas e que de forma alguma devem ser abruptamente interrompidas, tais como segurança pública, saúde, entre outros.
Ainda sobre os chamados serviços essenciais, insta mencionar a definição que lhes foi dada por Barros em sua obra:

     São considerados serviços ou atividades essenciais: Tratamento e abastecimento de água, produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; assistência médica e hospitalar; distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; funerários; transporte coletivo; captação e tratamento de esgoto e lixo; telecomunicações; guarda, uso e controle de substancias radioativas; equipamentos e materiais nucleares; processamento de dados ligados a serviços essenciais; controle de tráfego aéreo e compensação bancária (art. 10). Nesses serviços, os sindicatos, os patrões, e os trabalhadores ficam obrigados a garantir durante a greve a prestação indispensável ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim consideradas aquelas que, não atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população (art. 11). (BARROS, 2010, p.1312).

     A responsabilização em face do direito de greve exercido ocorre de forma semelhante aos serviços comuns, porem, é efetivamente mais rigorosa, pois a Lei 7.783/89 exige que sejam mantidas as atividades essenciais mesmo com a deflagração da greve. Referida lei traz em seu bojo duas situações consideradas inadiáveis mesmo em período de greve, a primeira diz respeito à manutenção em funcionamento das máquinas e equipamentos que podem deteriorar-se em caso de interrupção das atividades, e daqueles necessários à retomada das atividades da empresa quando a greve chegar ao fim. A segunda situação diz respeito às atividades consideradas indispensáveis à comunidade, atingindo assim os servidores públicos, que na maioria das vezes são responsáveis por  tais atividades. São serviços que, quando interrompidos, colocam em perigo iminente a saúde pública, a segurança, e até mesmo a sobrevivência.

     Aplica-se nessas situações o princípio da “continuidade do serviço público”, que não vem a vedar o direito de greve como um todo, mas apenas assegurar que seja mantido um funcionamento mínimo de tais serviços durante o período de greve. Tal princípio não proíbe o exercício de greve dos servidores, mas apenas o limita e assegura um funcionamento mínimo desses serviços.

     A Lei 7.783, no art. 11, foi incisiva: ‘ Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados , de comum acordo, a garantir durante a greve a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, que a teor do parágrafo único são aquelas que sendo desatendidas colocam  perigo iminente a sobrevivência , a saúde, ou a segurança da população’. Os serviços e atividades inadiáveis foram traçados num rol exaustivo constante do art. 10, constituindo responsabilidade comum do sindicato profissional e dos empregadores ou de sua entidade de classe. Consequência do dissenso, segundo o art. 12 da lei, é a atuação do poder público, que assegurará a prestação dos serviços. (AROUCA, 2008, p.48).

     Destarte, não se pode concluir de maneira contundente que o direito de greve previsto e regulado pela Lei 7.783/89 aplica-se somente aos trabalhadores empregados na iniciativa privada, pois caso assim fosse, estaríamos cerceando o servidor público que presta serviços essenciais de um direito fundamental, colocando-o em uma situação de inferioridade frente aos empregados da iniciativa privada. Seria uma enorme desigualdade de tratamento, e sem dúvidas uma ofensa ao princípio Constitucional da isonomia. Nesse diapasão, mesmo entre decisões contrárias, a Corte especial do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no ano de 2002, decidiu de forma majoritária:

     O governo está ficando refém de sua odiosa política de amesquinhamento do servidor público com o achatamento perverso dos salários e o corte de vantagens já auferidas há anos. As greves estão estourando em diversos setores da Administração, direta ou indireta. Nesse momento temos greve dos professores, dos servidores da previdência, da Imprensa nacional. Paralisações de outros serviços já ocorreram. Essa desastrosa política está levando o país ao caos.

     Outras paralisações, sem dúvida, acontecerão. Ninguém faz greve por prazer, diversão. O governo age de maneira insensível com os grevistas. A alegação de sempre é que as greves são “motivadas por interesses corporativos, políticos e pessoais”. Alegação que não convence ninguém, nem a ele próprio. São atos de força que pratica. Não dialoga com o servidor grevista. E quando, raras vezes e já numa situação crítica, resolve conversar, faz acertos, para logo depois voltar atrás. É triste o que acontece. Muito triste. Está na hora de o governo dialogar com os grevistas da Imprensa Nacional e apresentar uma digna proposta de acordo. (...). (TRF, 2002, p.50)

     Buscando inspiração em Norberto Bobbio, podemos arguir que um direito que não pode ser exercido pode ser considerado um direito? Sob a égide desse raciocínio contextualizado com o presente estudo, é oportuno trazer à baila as palavras do renomado jurista Norberto Bobbio:

Uma coisa é um direito; outra, a promessa de um direito futuro. Uma coisa é um direito atual; outra, um direito potencial. Uma coisa é ter um direito que é, enquanto reconhecido e protegido; outra é ter um direito que deve ser, mas que, para ser, ou para que passe do dever ser ao ser, precisa transformar-se, de objeto de discussão de uma assembleia de especialistas, em objeto de decisão de um órgão legislativo dotado de poder de coerção”  (BOBBIO, 2004, p. 92 e 97).

     Caso seja levada ao pé da letra a necessidade de elaboração de uma norma regulamentadora para que assim os servidores públicos possam exercer seu direito de greve, seremos levados a uma situação fática onde tal direito será apenas uma expectativa de direito, não existindo no mundo real, visto ter sido nossa Constituição promulgada no ano de 1988 e a necessária norma regulamentadora ainda não publicada até os dias atuais.

      Essa situação deixaria em aberto um enorme lapso temporal de lacuna legislativa dentro do qual, inúmeros atos de desrespeito aos direitos de servidores públicos já foram anteriormente praticados. Não basta apenas reconhecer a existência desse direito em nossa Constituição. É necessário que seu exercício seja plenamente respeitado desde que exercido dentro dos limites legais impostos aos trabalhadores da iniciativa privada, e desde que também não seja exercido de maneira antagônica aos interesses coletivos, conforme exaustivamente asseverado no decorrer do estudo.

      Nesse ponto faz-se mister destacar o Decreto Presidencial nº 1.480/95 , que veio a limitar o direito de exercício de greve dos servidores públicos, baseado na inexistência da mencionada norma regulamentadora. Tal decreto exorta que as faltas de servidores públicos em razão de movimentos grevistas não sejam em nenhuma hipótese compensadas ou abonadas, podendo inclusive ensejar exoneração do servidor ocupante de cargo ou função comissionada que agir de maneira contraria ao que está expresso no presente decreto. Tal dispositivo legal olvida-se de diferenciar movimentos legítimos dos ilegítimos, sendo prejudicial essa igualdade de situações existente nos preceitos do referido Decreto, que vai de encontro ao princípio Constitucional da igualdade. O direito de greve do servidor público não pode, de maneira alguma, ficar à margem do ordenamento jurídico pela omissão legislativa de quase duas décadas.

     Desta feita, não seria apropriado abominar o uso da Lei 7.783/89 de maneira analógica aos servidores públicos para suprir a falta da lei específica que trata o artigo 37 do texto Constitucional, sob a falaciosa fundamentação de que esta referida Lei somente abarca situações ocorrentes na iniciativa privada, ou pelo fato de que a lei aqui descrita não enfatiza de maneira taxativa quais são realmente as atividades de cunho essencial. Esses serviços essenciais, sejam prestados diretamente pelo Poder estatal, sejam prestados pela iniciativa privada mediante delegação de funções, são todos serviços públicos, de igual maneira. Assim, a aplicação analógica da lei 7.783/89 em suprimento à lacuna legislativa existente, não ofende o princípio da continuidade do serviço público, desde que seja exercido esse direito dentro dos limites da legalidade conforme estudado. Felizmente, este vem sendo o pensamento majoritário de nossos tribunais hodiernamente.

5 CONCLUSÃO

     Diante de todo o exposto, fica claro ser o direito de greve um patrimônio dos trabalhadores, conquistado após anos de evolução histórica no âmbito das relações trabalhistas, propiciando assim uma ferramenta capaz de dar-lhes força no pleito de suas aspirações por melhorias salariais e de condições de trabalho. Tal direito ganhou status Constitucional, conforme demonstrado alhures, e por conseguinte, ganhou regulamentação própria através da aludida Lei 7.783 na iniciativa privada, que sempre foi o grande bojo das relações trabalhistas e seus embates por melhorias salariais.

     Ocorre que, com a ascenção do estado democrático de Direito, e a promulgação de diversas Constituições no decorrer da história, uma série de serviços, antes restritos da atividade Estatal, passaram a ser delegados à iniciativa privada, que logo se viu desempenhando funções de essencial importância social, anteriormente atribuídas em exclusividade ao estado.

     Com o passar dos anos, e a evolução social crescente, diversas foram as atividades que passaram a ser tidas como de caráter essencial, tais como o poder de polícia e segurança social, atendimento médico, educação, transporte, entre outras, sendo que a ausência de quaisquer destas, poderia levar a coletividade a um estado de caos total, podendo inclusive trazer consequências talvez irrecuperáveis. Exemplo disso é imaginar uma paralisação completa dos serviços de atendimento à saúde da população. Tal paralisação poderia levar inclusive à morte aqueles que necessitassem de atendimento médico público durante o período de greve, sendo que tal consequência seria irreparável por parte do estado, levando-nos assim a uma maior compreensão da impossibilidade de paralisação geral de algumas atividades Estatais.

     Decorre desse princípio da continuidade do serviço público, aliado a enormidade de empregados estatais, a limitação do direito de greve do servidor público, tema do presenta estudo. Trata-se de uma controvérsia que atingiu patamares judiciais, tendo sido exaustivamente discutida na doutrina, principalmente acerca dos abusos e cometimento de atos ilícitos no curso da greve exercida por servidores públicos.

     Tal controvérsia ganhou maiores proporções a partir do momento em que a atividade Estatal começou a abarcar uma gama maior de atribuições, e como consequência, aumentou seu quadro de servidores de maneira descontrolada fazendo com que passassem a existir divergências salarias entre eles.

     Muito se falou a partir de então sobre o direito de greve destes trabalhadores, porem, faltava ainda, conforme estudado, uma norma regulamentadora da situação, pois de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, a norma inscrita no artigo 37, inciso VII da Constituição Federal não possui auto aplicabilidade. O preceito Constitucional que reconhece esse direito de greve dos servidores públicos é norma de eficácia limitada, desprovida de auto aplicabilidade, dependendo assim de edição de norma regulamentadora conforme prevê o próprio texto Constitucional, e a ausência de tal norma impede o exercício desse direito. A edição dessa norma regulamentadora é requisito si ne qua non para seu pleno exercício, e essa lacuna legislativa acaba por inviabilizar esse direito dos servidores públicos.

     Assim, uma maior compreensão e entendimento sobre o assunto deverá obrigatoriamente passar pelo estudo da ausência da referida norma regulamentadora, e da necessidade de criação da referida norma.

     Atualmente, buscando suprir essa lacuna, o STF resolveu de maneira temporária a questão decidindo vários Mandados de Injunção apresentados por sindicatos representativos de servidores públicos visando a edição da norma. Através desses julgados, passou-se a adotar a mesma Lei de greve vigente na iniciativa privada, quer seja, a aludida Lei 7.783 por analogia. Destarte, os servidores públicos a partir de então passaram a ter seu direito de greve legalizado, porem devendo respeitar os limites impostos pela referida Lei.

     Dentre tais limites impostos pela Lei, alguns visam resguardar a manutenção dos chamados serviços essenciais, e sobre estes incidem a maioria das decisões que julgam ilegais os movimentos grevistas dos servidores, e justamente em tais decisões reside a divergência entre juristas, tribunais, e doutrinadores. Assim que um movimento é tido como ilegal, por conta da essencialidade da atividade exercida, surgem debates acerca do rol de tais atividades expresso na referida Lei, pois este é meramente exemplificativo, abrindo campo para que outras atividades sejam reconhecidas como essenciais e por conseguinte, que seja declarada a ilegalidade da greve que paralisa tais atividades. Aqui reside o grande questionamento quando uma atividade é considerada essencial, pois tal consideração passa pelo campo subjetivo do julgador.

     Insta ressaltar ainda que o direito de greve não é um direito absoluto, e cometimentos de atitudes ilegais em seu exercício deverão sempre ser punidos, responsabilizando seus causadores. Não obstante, atividades revestidas pelo caráter da essencialidade são absolutamente vedadas de serem interrompidas em sua integralidade, pois são o alicerce para a manutenção da ordem pública e o bom funcionamento social. Todo direito de greve deve ser respeitado, desde que não traga prejuízos sociais que muitas vezes são, conforme supramencionado, irremediáveis.

     Movimentos que remetam o direito de greve a uma atitude de autotutela, não levando em conta o bem estar social, como se viu recentemente nas greves deflagradas da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros devem ser declaradas ilegais de imediato pelo judiciário, pois, tais movimentos colocam em risco toda a coletividade conforme exaustivamente explicitado. No ato de se declarar uma greve como ilegal, o julgador deverá sempre analisar o caso concreto como um todo, em todos seus aspectos fáticos, utilizando-se sempre da razoabilidade e proporcionalidade.

     Em um país com dimensões continentais como o Brasil, não se pode vedar de maneira absoluta o direito de greve de uma determinada classe de trabalhadores, pois este, muitas das vezes, tem na greve seu único instrumento para pleitear seus anseios. Outrossim, deve-se sempre estar atento à essencialidade da atividade exercida para não causar prejuízos a terceiros que nada tem a ver com o movimento. A Lei 7.783 deve sim ser utilizada de maneira analógica aos servidores públicos, mas limites devem sempre ser impostos, pois, interesses de uma classe não devem se sobrepor aos interesses de todas uma coletividade. É importante nunca se olvidar de analisar a situação de maneira contextualizada, em seu todo,  antes de se decretar a ilegalidade do movimento grevista, fazendo-se valer do bom senso e de uma interpretação sistemática da Lei.
     Conclui-se o presente estudo com a necessidade do bom senso, da proporcionalidade, da razoabilidade e do equilíbrio de forças entre empregados, empregadores e Judiciário no que tange ao uso do direito de greve pelos servidores públicos. É desejável que tal direito venha cumprir seu objetivo primordial que é a negociação pacífica de melhorias salariais dos trabalhadores, assim como de suas condições de trabalho, sem que isso reflita de maneira nefasta em toda coletividade, que deverá ser sempre resguardada.


LUIZ CLÁUDIO SALUSTIANO DE OLIVEIRA/ ADVOGADO



REFERÊNCIAS

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SOARES, Samanta de Lima, O abuso do direito de greve. Administradores. Abril de 2010. Disponível em http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/o-abuso-do-direito-de-greve/32714/. Acesso em 07/05/2012.

TRF da 1ª região, Corte Especial, AGSS – AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA – 200101000466004, processo; 2001101000466004, UF: DF, Rel. Juiz Presidente, j. 11/1/2002, v.m., DJ 4/2/2002, p. 50.


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