quarta-feira, 27 de novembro de 2013

INVENTÁRIO E PARTILHA

INVENTÁRIO E PARTILHA


A sociedade moderna vivencia intensas modificações constantes, mas o Direito nem sempre as acompanha. Porém, nos últimos tempos, o Direito vem se esforçando para acompa­nhar a dinamicidade da vida social e os conflitos sociais modernos.
Nessa esteira, o presente século está sendo marcado pela bus­ca incessante do Direito em acompanhar as necessidades de uma sociedade cada vez mais ávida por legislações que, de fato, contribuam de alguma forma para o melhoramento da vida do cida­dão comum.
Por conta disso, temos acompanhado a entrada em vigor de relevantes marcos da produção legislativa no Brasil, a exem­plo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069/90; do Código de Defesa do Consumidor, Lei n° 8.078/90; do Novo Código Civil Brasileiro, Lei 10.406/02; do Estatuto do Idoso, Lei n° 10.741/03, dentre outros mais.
Podemos citar ainda a Lei n° 9.099/95 (Juizados Espe­ciais Cíveis e Criminais); a Lei n° 10.048/00 (determina prioridade de atendimento às pessoas portadoras de deficiência, idosos, gestan­tes, lactantes e as pessoas acompanhadas por crianças de colo); a Lei n° 10.098/00 (estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida); a Lei n° 11.340/06 (cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher); a Lei n° 11.105/05 (Lei de Biossegurança); a Lei n° 11.698/08 (guarda compartilhada) e a Lei n° 11.804/08 (alimentos gravídicos).
No ramo do Direito das Sucessões, a grande novidade está na promulgação da Lei n° 11.441, de 4 de janeiro de 2007, legislação que possibilita a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual pela via administrativa, e que certamente será o objeto de estudo no presente artigo, estando relacionada diretamente ao tema proposto.
Através dessa Lei foi instituído o chamado procedimento administra­tivo ou extrajudicial, realizado por meio de escritura pública e que visa uma solução mais célere e econômica de problemas tratados pelo Direi­to de Família e pelo Direito das Sucessões.
É este procedimento administrativo ou extrajudicial que será objeto de estudo no presente artigo, conforme alhures mencionado, sendo que a análise limitar-se-á aos aspectos referentes ao inventário e à partilha.

I. Pontos relevantes da Lei 11.441/07

            I. I. Razões da elaboração da Lei

A Lei suscitada foi promulgada em um importante momento vivenciado pelo nosso país, pois a morosidade do judiciário vinha sendo alvo de muitas discussões, assim como o excesso de burocracia para a realização de determinados atos cotidianos e muitas vezes simples. Por conta disso, nosso Código de Processo Civil vem sofrendo constantes modificações buscando sempre favorecer à celeridade processual, resolvendo de forma satisfatória os conflitos de interesse levados ao judiciário.
A Constituição Federal de 1988 introduziu em seu rol de direitos fundamentais a chamada “duração razoável do processo”, tamanha a relevância do tema hodiernamente. Nesse diapasão a lei 11.441/07 chegou para ser um dos instrumentos legislativos capazes de desburocratizar e dar mais celeridade aos procedimentos de inventário e partilha que a partir de então, passaram a poder ser feitos também Carlos Roberto Gonçalves aduz:

Visando racionalizar os procedimentos e simplificar a vida dos cidadãos, bem como desafogar o Poder Ju­diciário, a Lei n° 11.441, de 4 de janeiro de 2007, oferece à coletividade um outro procedimento além do judicial, possibilitando a realização de inventário e partilha amigável por escritura pública, quando todos os interessados sejam capazes e não haja testamento (GONÇALVES, 2009, p.489).

Assim, através da possibilidade de se realizar os procedimentos de inventário e partilha por meio administrativo ou extrajudicial, espera-se um desafogamento do poder judiciário que encontra-se constantemente abarrotado de processos que ali se arrastam a longos anos em busca de uma solução. Trata-se de uma nova possibilidade conferida às partes para realizarem um procedimento de imensa importância em suas vidas.
Também sobre o tema, assim discorre Sílvio de Salvo Venosa:

Entre nós, o inventário sempre fora um procedimento contencioso, embora nada obstasse que o legislador optasse por solução diversa, permitindo o inventário extrajudicial, mormente se todos os interessados fo­rem maiores e capazes. Finalmente, a Lei n° 11.441, de 4 de janeiro de 2007, atendeu nossos ingentes reclamos [...]. É importante que se libere o Judiciário da atual pletora de feitos de cunho administrativo e o inventário, bem como a partilha, quando todos os interessados são capazes, podem muito bem ser ex­cluídos, sem que se exclua o advogado de sua atuação (VENOSA, 2008, p.35).

            Merece destaque também a redução das despesas que as partes eram obrigadas a suportar no procedimento judicial, com valor bem mais elevado que aquele aplicado na via administrativa.

     I. II Requisitos necessários ao inventário e partilha extrajudicial

            A princípio, insta ressaltar que a estudada Lei 11.441/07 não deverá ser o único instrumento legislativo a ser levado em conta nas questões relacionadas à realização dos procedimentos de inventário e partilha pela via administrativa. Trata-se de uma lei pequena, composta por somente cinco artigos que vieram a trazer profundas modificações aos artigos 982, 983, e 1031 do Código de Processo Civil. Mais que isso, ainda promoveram a inclusão do art. 1.124-A no dispositivo legal supra.
               Dessa forma, conclui-se que o legislador errou quando da ausência de maiores detalhes acerca do procedimento de inventário e partilha pela via extrajudicial/ administrativa. Por conta disso, a lei 11.441/07 sempre deverá ser estudada e analisada conjuntamente com a Resolução 35/20074 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e com o Provimento nº 118/2007 do Conselho Federal da OAB – CFOAB5. Importante saber nesse ponto que na Resolução 35/20074 do CNJ encontram-se algumas das principais regras pertinentes à devida aplicabilidade prática da Lei 11.441/07 por meio de seus 54 artigos.
               Sobre o assunto, assim dispõe Silvio de Salvo Venosa:

A resolução n° 35 do Conselho Nacional de Justiça veio regulamentar essa Lei n° 11.441/07, que, de fato, deixava algumas dúvidas em aberto. Alguns dos tópicos regulamentados pareciam óbvios, outros, nem tanto. Foi boa a medida na tentativa de padronizar os procedimentos, aplicáveis às centenas de escrivanias do País. No entanto, essa regulamentação deveria ter partido do próprio Legislativo, que se mostra sempre um passo atrás das nossas necessidades sociais (VE­NOSA, 2008, p.83).

              Assim, expostas tais considerações acerca da interação legislativa necessária à correta aplicação da lei estudada, vamos à análise dos requisitos que lhe são essenciais:

     I.III. Ausência de lide, de testamento e partes capazes.

               A Lei 11.441/07 deu nova roupagem ao art. 982 do Código de Processo Civil. Assim, se todas as partes envolvidas forem capazes e estiverem de acordo com o inventário e partilha (concordes, sem a presença de pretensão resistida – lide) o procedimento poderá ser realizado por meio de escritura pública, resultando em título apto ao registro imobiliário.
            Acerca desses dois primeiros requisitos expostos não percebem-se maiores problemas quanto à interpretação e aplicação do dispositivo legal, contrário ao que ocorre com o próximo requisito a ser analisado, a ausência de testamento, que usualmente causa maiores discussões.
             O mencionado art. 982 do CPC inicia sua nova redação determinando que: “havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á inventário judicial (...)”.
            Por conta dessa redação do artigo, alguns entendem que havendo testamento, será obrigatoriamente necessário para a realização do inventário o procedimento judicial, e inversamente, caso não exista, abre-se a possibilidade de ser realizado pela via administrativa. Sobre isso, Silvio de Salvo Venosa (2008, p.82): “persiste a necessidade de inventário judicial se houver testamento ou interessado incapaz. No testamento, há interesse público para seu exame e, havendo incapaz, há que se assegurar sua plena proteção”.
            Na mesma esteira, Salomão de Araújo Cateb (2008, p.253), aduz que: “desde que não haja menores, incapazes, nem testamento, estando todos os herdeiros concordes, far-se-á o inventário administrativo, se esse for o interesse das partes”.
            Porém para outra corrente, o entendimento é de que o inventário somente será obrigatoriamente judicial se o de cujus deixar testamento com disposições de ordem patrimonial. Ou seja, caso o testamento verse apenas sobre questões pessoais, abre-se uma possibilidade para que o inventário seja feito de forma extrajudicial.
            Esse posicionamento é o de diversos juristas, entre eles de Maria helena Diniz que em sua obra nos ensina:

Para que se aplique o regime notarial na sucessão causa mortis, será preciso que: a) todos os interessa­dos sejam maiores e capazes ou emancipados; b) a sucessão seja legítima, pois o de cujus não pode ter deixado testamento contendo disposições de ordem patrimonial. Logo, nada obsta a que o inventário se dê administrativamente, se o testamento por ele feito contiver disposições pessoais, p. ex., emancipação de filho; reconhecimento de prole ou de união estável; instituição de tutor testamentário (CC, art. 1,729, pa­rágrafo único) ou de bem de família convencional (CC, art. 1.711); revogação de testamento anterior, para que sejam aplicáveis as normas da sucessão legítima [...]. (DINIZ, 2009, p.83)

                Certamente que um testamento não contem somente disposições de ordem patrimonial, podendo contar também inúmeras disposições pessoais tais como a suscitada emancipação de um filho, utilizada no exemplo da autora. Assim, parece óbvio que o posicionamento da segunda corrente merece prosperar, afinal desde que o documento deixado pelo de cujus não trate de questões patrimoniais, é perfeitamente viável que este se dê pela via administrativa caso esse seja o interesse das partes, e existam os requisitos necessários para tanto.

                 I. IV. Da necessidade da presença do Advogado

             Pela nova redação do art. 982 do CPC, o procedimento administrativo de inventário e partilha somente poderá ser realizado se todas as partes envolvidas estiverem assistidas por Advogado. Tal Advogado poderá ser um profissional comum para todas as partes ou ou um para cada, conforme interesse dos envolvidos. Por conta de estarem presentes na lavratura da escritura pública do inventário e partilha, a assinatura do Advogado também constará do ato notarial, sendo para tanto dispensada a apresentação de procuração.
            Insta salientar que a presença obrigatória do Advogado no procedimento administrativo de inventário e partilha está em perfeita consonância com o disposto no art. 133 da Constituição Federal de 1988 (CF/ 88) que dispõe ser o Advogado indispensável à administração da justiça.

                 II. PROCEDIMENTO FACULTATIVO E SEM A NECESSIDADE 
DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL

         Do início da nova redação dada ao art. 982/ CPC encontra-se expressa a palavra “poderá”, indicando claramente a facultatividade dada ao procedimento extrajudicial. Assim, mesmo presentes todos os requisitos necessários ao procedimento extrajudicial, se essa não for a vontade das partes envolvidas este se dará na forma judicial sem maiores problemas. Trata-se de mais uma opção, de um caminho facilitador às partes, mas sempre de forma facultativa.
            Vale trazer ao bojo do estudo o pensamento de Carlos Roberto Gonçalves:

A redação conferida ao retrotranscrito art. 982 do Có­digo de Processo Civil, com a utilização do verbo "po­derá", indica o caráter 'facultativo' do procedimento administrativo. A escolha fica a critério das partes. Entende-se, pois, que a Lei n° 11.441/2007, ao criar inventário e partilha extrajudiciais, mediante escritura pública, não obsta à utilização da via judicial corres­pondente. (GONÇALVES, 2009, p.490)

            Esse posicionamento também encontra guarida nos ensinamentos de Maria Helena Diniz, a saber:

O inventário extrajudicial é uma opção dada pela lei; nada obsta a que os interessados façam uso, se prefe­rirem, do inventário judicial. E, além disso, nada im­pede que, a qualquer tempo, os interessados possam desistir do meio escolhido (judicial ou extrajudicial), para optar por outro. (DINIZ, 2009, p.405)

            Diante disso, não restam dúvidas de que a escolha do procedimento a ser utilizado é faculdade das partes envolvidas, desde que obviamente façam-se presentes os requisitos necessários à modalidade extrajudicial.

            III. OUTROS PONTOS RELEVANTES ACERCA DO TEMA

            O primeiro ponto relevante sobre o procedimento administrativo de inventário e partilha diz respeito à escolha do tabelião de notas para a lavratura da escritura de inventário e partilha. Fica uma dúvida no ar sobre a possibilidade de as partes envolvidas escolherem livremente o cartório de notas, ou se existe alguma regra de competência a ser seguida.
            No objetivo de responder a essa indagação urge salientar que as regras de competência previstas no CPC aplicam-se exclusivamente nos procedimentos de ordem judicial. Dessa forma, os interessados poderão escolher livremente o tabelião de notas que fará a lavratura do ato. Esse entendimento, já pacificado pela doutrina é defendido por Carlos Roberto Gonçalves em sua obra:

Para a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei n° 11.441/2007 é livre a escolha do tabelião de notas, 'não se aplicando as regras de competência' do Código de Processo Civil. A competência é uma medida da jurisdição, que é monopólio do Poder Judiciário - e o tabelião não tem poderes jurísdicionais. Por essa ra­zão, podem os interessados promover a lavratura da escritura no cartório da localidade que lhes for mais conveniente, independentemente do domicílio do au­tor da herança, da situação dos bens e de serem ali domiciliados ou não (GONÇALVEZ, 2009, p.491)

            Outro ponto que gera indagações acerca do procedimento extrajudicial diz respeito aos valores porventura cobrados para tanto. Essa questão encontra-se disciplinada pela resolução de nº 35 do CNJ, que conforme disposto em seus art. 6º e 7º , a gratuidade que é prevista na Lei 11.441/07 abarca as escrituras de inventário e partilha, bem como as de divórcio consensual. Para que seja concedida a gratuidade basta uma simples declaração dos interessados de que não conseguem arcar com as custas e emolumentos do procedimento sem que isso lhe prejudique seu próprio sustento, tal qual no estabelecido pela lei 1.060/50 que trata da justiça gratuita.
            E uma última questão capaz de gerar dúvidas quanto ao procedimento estudado diz respeito à possibilidade de sua adoção aos inventários resultantes de óbitos anteriores à Lei 11.441/07. A resposta é positiva, e é plena a aplicabilidade da Lei 11.441/07 aos óbitos ocorridos antes da vigência da aludida lei, lembrando que para tanto fazem-se necessários que estejam presentes os requisitos necessários.
              Dúvidas não restam sobre a importância da promulgação da Lei 11.441/07 na seara do Direito das Sucessões, mais detidamente no campo do inventário e partilha. Através da aludida lei foi instituído o procedimento administrativo, ou extrajudicial para os mencionados institutos promovendo maior celeridade a um custo bem menor às partes envolvidas.
          Conforme demonstrado, para a obtenção do direito de realizar tal procedimento pela via administrativa, fazem-se necessários que estejam presentes os requisitos necessários e expressos no bojo do texto legal, a saber: Partes capazes, concordes e ausência de testamento, sendo esse último requisito um ponto de bastante discussão doutrinária, mas de fácil entendimento a partir do momento em que se leve em conta que um testamento não trata somente de questões patrimoniais, podendo este tratar também de questões pessoais.
              Ficou também claro que trata-se de um procedimento facultativo, e com livre escolha do tabelião de notas que será o responsável pela lavratura do ato. Também, buscou-se esclarecer que apesar de ser um procedimento sem custas às partes, desde que previamente requerido através de uma simples declaração de pobreza, faz-se necessária a presença de um Advogado, consubstanciando o disposto no art. 133 da CF/ 88, que aduz ser este indispensável à administração da justiça.
            Espera-se que a estudada lei possa, ao longo do tempo, atingir todos os objetivos a que foi proposta e consequentemente desburocratizar tal procedimento inevitável a maior parte da população. Assim, certamente as questões afetas ao Direito das Sucessões, mais especificadamente no campo do inventário e partilha serão resolvidas com muito mais eficácia, favorecendo a todos que dele necessitam.

LUIZ CLÁUDIO SALUSTIANO DE OLIVEIRA/ ADVOGADO


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Lei nº 11.441, de 04 de Janeiro de 2007. Altera dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa.. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil/leis/L11.441.htm Acesso em 01 de Agosto de 2013.

CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 23. ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 6.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 7.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. v. 7.


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