INVENTÁRIO E PARTILHA
A
sociedade moderna vivencia intensas modificações constantes, mas o Direito nem
sempre as acompanha. Porém, nos últimos tempos, o Direito vem se esforçando
para acompanhar a dinamicidade da vida social e os conflitos sociais modernos.
Nessa
esteira, o presente século está sendo marcado pela busca incessante do Direito
em acompanhar as necessidades de uma sociedade cada vez mais ávida por
legislações que, de fato, contribuam de alguma forma para o melhoramento da
vida do cidadão comum.
Por
conta disso, temos acompanhado a entrada em vigor de relevantes marcos da
produção legislativa no Brasil, a exemplo da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988; do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n°
8.069/90; do Código de Defesa do Consumidor, Lei n° 8.078/90; do Novo Código
Civil Brasileiro, Lei 10.406/02; do Estatuto do Idoso, Lei n° 10.741/03, dentre
outros mais.
Podemos
citar ainda a Lei n° 9.099/95 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais); a Lei
n° 10.048/00 (determina prioridade de atendimento às pessoas portadoras de
deficiência, idosos, gestantes, lactantes e as pessoas acompanhadas por
crianças de colo); a Lei n° 10.098/00 (estabelece normas gerais e critérios
básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência
ou com mobilidade reduzida); a Lei n° 11.340/06 (cria mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher); a Lei n° 11.105/05 (Lei de
Biossegurança); a Lei n° 11.698/08 (guarda compartilhada) e a Lei n° 11.804/08
(alimentos gravídicos).
No
ramo do Direito das Sucessões, a grande novidade está na promulgação da Lei n°
11.441, de 4 de janeiro de 2007, legislação que possibilita a realização de
inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual pela via
administrativa, e que certamente será o objeto de estudo no presente artigo,
estando relacionada diretamente ao tema proposto.
Através
dessa Lei foi instituído o chamado procedimento administrativo ou
extrajudicial, realizado por meio de escritura pública e que visa uma solução
mais célere e econômica de problemas tratados pelo Direito de Família e pelo
Direito das Sucessões.
É
este procedimento administrativo ou extrajudicial que será objeto de estudo no
presente artigo, conforme alhures mencionado, sendo que a análise limitar-se-á
aos aspectos referentes ao inventário e à partilha.
I.
Pontos relevantes da Lei 11.441/07
I.
I. Razões da elaboração da Lei
A
Lei suscitada foi promulgada em um importante momento vivenciado pelo nosso
país, pois a morosidade do judiciário vinha sendo alvo de muitas discussões,
assim como o excesso de burocracia para a realização de determinados atos
cotidianos e muitas vezes simples. Por conta disso, nosso Código de Processo
Civil vem sofrendo constantes modificações buscando sempre favorecer à
celeridade processual, resolvendo de forma satisfatória os conflitos de
interesse levados ao judiciário.
A
Constituição Federal de 1988 introduziu em seu rol de direitos fundamentais a
chamada “duração razoável do processo”, tamanha a relevância do tema
hodiernamente. Nesse diapasão a lei 11.441/07 chegou para ser um dos
instrumentos legislativos capazes de desburocratizar e dar mais celeridade aos
procedimentos de inventário e partilha que a partir de então, passaram a poder
ser feitos também Carlos Roberto Gonçalves aduz:
Visando racionalizar os procedimentos e simplificar
a vida dos cidadãos, bem como desafogar o Poder Judiciário, a Lei n° 11.441,
de 4 de janeiro de 2007, oferece à coletividade um outro procedimento além do
judicial, possibilitando a realização de inventário e partilha amigável por
escritura pública, quando todos os interessados sejam capazes e não haja
testamento (GONÇALVES, 2009, p.489).
Assim,
através da possibilidade de se realizar os procedimentos de inventário e
partilha por meio administrativo ou extrajudicial, espera-se um desafogamento
do poder judiciário que encontra-se constantemente abarrotado de processos que
ali se arrastam a longos anos em busca de uma solução. Trata-se de uma nova
possibilidade conferida às partes para realizarem um procedimento de imensa
importância em suas vidas.
Também
sobre o tema, assim discorre Sílvio de Salvo Venosa:
Entre nós, o inventário sempre fora um procedimento
contencioso, embora nada obstasse que o legislador optasse por solução diversa,
permitindo o inventário extrajudicial, mormente se todos os interessados forem
maiores e capazes. Finalmente, a Lei n° 11.441, de 4 de janeiro de 2007,
atendeu nossos ingentes reclamos [...]. É importante que se libere o Judiciário
da atual pletora de feitos de cunho administrativo e o inventário, bem como a
partilha, quando todos os interessados são capazes, podem muito bem ser excluídos,
sem que se exclua o advogado de sua atuação (VENOSA, 2008, p.35).
Merece
destaque também a redução das despesas que as partes eram obrigadas a suportar
no procedimento judicial, com valor bem mais elevado que aquele aplicado na via
administrativa.
I. II Requisitos necessários ao inventário e partilha extrajudicial
A
princípio, insta ressaltar que a estudada Lei 11.441/07 não deverá ser o único
instrumento legislativo a ser levado em conta nas questões relacionadas à
realização dos procedimentos de inventário e partilha pela via administrativa.
Trata-se de uma lei pequena, composta por somente cinco artigos que vieram a
trazer profundas modificações aos artigos 982, 983, e 1031 do Código de
Processo Civil. Mais que isso, ainda promoveram a inclusão do art. 1.124-A no
dispositivo legal supra.
Dessa
forma, conclui-se que o legislador errou quando da ausência de maiores detalhes
acerca do procedimento de inventário e partilha pela via extrajudicial/
administrativa. Por conta disso, a lei 11.441/07 sempre deverá ser estudada e
analisada conjuntamente com a Resolução 35/20074 do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), e com o Provimento nº 118/2007 do Conselho Federal da OAB –
CFOAB5. Importante saber nesse ponto que na Resolução 35/20074 do CNJ
encontram-se algumas das principais regras pertinentes à devida aplicabilidade
prática da Lei 11.441/07 por meio de seus 54 artigos.
Sobre
o assunto, assim dispõe Silvio de Salvo Venosa:
A resolução n° 35 do Conselho Nacional de Justiça
veio regulamentar essa Lei n° 11.441/07, que, de fato, deixava algumas dúvidas
em aberto. Alguns dos tópicos regulamentados pareciam óbvios, outros, nem
tanto. Foi boa a medida na tentativa de padronizar os procedimentos, aplicáveis
às centenas de escrivanias do País. No entanto, essa regulamentação deveria ter
partido do próprio Legislativo, que se mostra sempre um passo atrás das nossas
necessidades sociais (VENOSA, 2008, p.83).
Assim,
expostas tais considerações acerca da interação legislativa necessária à
correta aplicação da lei estudada, vamos à análise dos requisitos que lhe são
essenciais:
I.III. Ausência de lide, de testamento e partes capazes.
A
Lei 11.441/07 deu nova roupagem ao art. 982 do Código de Processo Civil. Assim,
se todas as partes envolvidas forem capazes e estiverem de acordo com o
inventário e partilha (concordes, sem a presença de pretensão resistida – lide)
o procedimento poderá ser realizado por meio de escritura pública, resultando
em título apto ao registro imobiliário.
Acerca
desses dois primeiros requisitos expostos não percebem-se maiores problemas
quanto à interpretação e aplicação do dispositivo legal, contrário ao que
ocorre com o próximo requisito a ser analisado, a ausência de testamento, que
usualmente causa maiores discussões.
O
mencionado art. 982 do CPC inicia sua nova redação determinando que: “havendo
testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á inventário judicial (...)”.
Por
conta dessa redação do artigo, alguns entendem que havendo testamento, será
obrigatoriamente necessário para a realização do inventário o procedimento
judicial, e inversamente, caso não exista, abre-se a possibilidade de ser
realizado pela via administrativa. Sobre isso, Silvio de Salvo Venosa (2008,
p.82): “persiste a necessidade de inventário judicial se houver testamento ou
interessado incapaz. No testamento, há interesse público para seu exame e,
havendo incapaz, há que se assegurar sua plena proteção”.
Na
mesma esteira, Salomão de Araújo Cateb (2008, p.253), aduz que: “desde que não
haja menores, incapazes, nem testamento, estando todos os herdeiros concordes,
far-se-á o inventário administrativo, se esse for o interesse das partes”.
Porém
para outra corrente, o entendimento é de que o inventário somente será
obrigatoriamente judicial se o de cujus deixar testamento com
disposições de ordem patrimonial. Ou seja, caso o testamento verse apenas sobre
questões pessoais, abre-se uma possibilidade para que o inventário seja feito
de forma extrajudicial.
Esse
posicionamento é o de diversos juristas, entre eles de Maria helena Diniz que
em sua obra nos ensina:
Para que se aplique o regime notarial na sucessão
causa mortis, será preciso que: a) todos os interessados sejam maiores e
capazes ou emancipados; b) a sucessão seja legítima, pois o de cujus não pode
ter deixado testamento contendo disposições de ordem patrimonial. Logo, nada
obsta a que o inventário se dê administrativamente, se o testamento por ele
feito contiver disposições pessoais, p. ex., emancipação de filho;
reconhecimento de prole ou de união estável; instituição de tutor testamentário
(CC, art. 1,729, parágrafo único) ou de bem de família convencional (CC, art.
1.711); revogação de testamento anterior, para que sejam aplicáveis as normas
da sucessão legítima [...]. (DINIZ, 2009, p.83)
Certamente
que um testamento não contem somente disposições de ordem patrimonial, podendo
contar também inúmeras disposições pessoais tais como a suscitada emancipação
de um filho, utilizada no exemplo da autora. Assim, parece óbvio que o
posicionamento da segunda corrente merece prosperar, afinal desde que o
documento deixado pelo de cujus não trate de questões patrimoniais, é
perfeitamente viável que este se dê pela via administrativa caso esse seja o
interesse das partes, e existam os requisitos necessários para tanto.
I. IV. Da necessidade da presença do
Advogado
Pela
nova redação do art. 982 do CPC, o procedimento administrativo de inventário e
partilha somente poderá ser realizado se todas as partes envolvidas estiverem
assistidas por Advogado. Tal Advogado poderá ser um profissional comum para todas
as partes ou ou um para cada, conforme interesse dos envolvidos. Por conta de
estarem presentes na lavratura da escritura pública do inventário e partilha, a
assinatura do Advogado também constará do ato notarial, sendo para tanto
dispensada a apresentação de procuração.
Insta
salientar que a presença obrigatória do Advogado no procedimento administrativo
de inventário e partilha está em perfeita consonância com o disposto no art.
133 da Constituição Federal de 1988 (CF/ 88) que dispõe ser o Advogado indispensável
à administração da justiça.
II. PROCEDIMENTO FACULTATIVO E SEM A NECESSIDADE
DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL
Do
início da nova redação dada ao art. 982/ CPC encontra-se expressa a palavra
“poderá”, indicando claramente a facultatividade dada ao procedimento
extrajudicial. Assim, mesmo presentes todos os requisitos necessários ao
procedimento extrajudicial, se essa não for a vontade das partes envolvidas
este se dará na forma judicial sem maiores problemas. Trata-se de mais uma
opção, de um caminho facilitador às partes, mas sempre de forma facultativa.
Vale
trazer ao bojo do estudo o pensamento de Carlos Roberto Gonçalves:
A redação conferida ao retrotranscrito art. 982 do
Código de Processo Civil, com a utilização do verbo "poderá",
indica o caráter 'facultativo' do procedimento administrativo. A escolha fica a
critério das partes. Entende-se, pois, que a Lei n° 11.441/2007, ao criar
inventário e partilha extrajudiciais, mediante escritura pública, não obsta à
utilização da via judicial correspondente. (GONÇALVES, 2009, p.490)
Esse
posicionamento também encontra guarida nos ensinamentos de Maria Helena Diniz,
a saber:
O inventário extrajudicial é uma opção dada pela
lei; nada obsta a que os interessados façam uso, se preferirem, do inventário
judicial. E, além disso, nada impede que, a qualquer tempo, os interessados
possam desistir do meio escolhido (judicial ou extrajudicial), para optar por
outro. (DINIZ, 2009, p.405)
Diante
disso, não restam dúvidas de que a escolha do procedimento a ser utilizado é
faculdade das partes envolvidas, desde que obviamente façam-se presentes os
requisitos necessários à modalidade extrajudicial.
III. OUTROS PONTOS RELEVANTES ACERCA
DO TEMA
O
primeiro ponto relevante sobre o procedimento administrativo de inventário e
partilha diz respeito à escolha do tabelião de notas para a lavratura da
escritura de inventário e partilha. Fica uma dúvida no ar sobre a possibilidade
de as partes envolvidas escolherem livremente o cartório de notas, ou se existe
alguma regra de competência a ser seguida.
No
objetivo de responder a essa indagação urge salientar que as regras de
competência previstas no CPC aplicam-se exclusivamente nos procedimentos de
ordem judicial. Dessa forma, os interessados poderão escolher livremente o tabelião
de notas que fará a lavratura do ato. Esse entendimento, já pacificado pela
doutrina é defendido por Carlos Roberto Gonçalves em sua obra:
Para a lavratura dos atos notariais de que trata a
Lei n° 11.441/2007 é livre a escolha do tabelião de notas, 'não se aplicando as
regras de competência' do Código de Processo Civil. A competência é uma medida
da jurisdição, que é monopólio do Poder Judiciário - e o tabelião não tem
poderes jurísdicionais. Por essa razão, podem os interessados promover a
lavratura da escritura no cartório da localidade que lhes for mais conveniente,
independentemente do domicílio do autor da herança, da situação dos bens e de
serem ali domiciliados ou não (GONÇALVEZ, 2009, p.491)
Outro
ponto que gera indagações acerca do procedimento extrajudicial diz respeito aos
valores porventura cobrados para tanto. Essa questão encontra-se disciplinada
pela resolução de nº 35 do CNJ, que conforme disposto em seus art. 6º e 7º , a
gratuidade que é prevista na Lei 11.441/07 abarca as escrituras de inventário e
partilha, bem como as de divórcio consensual. Para que seja concedida a
gratuidade basta uma simples declaração dos interessados de que não conseguem
arcar com as custas e emolumentos do procedimento sem que isso lhe prejudique
seu próprio sustento, tal qual no estabelecido pela lei 1.060/50 que trata da
justiça gratuita.
E
uma última questão capaz de gerar dúvidas quanto ao procedimento estudado diz
respeito à possibilidade de sua adoção aos inventários resultantes de óbitos
anteriores à Lei 11.441/07. A resposta é positiva, e é plena a aplicabilidade
da Lei 11.441/07 aos óbitos ocorridos antes da vigência da aludida lei,
lembrando que para tanto fazem-se necessários que estejam presentes os
requisitos necessários.
Dúvidas
não restam sobre a importância da promulgação da Lei 11.441/07 na seara do
Direito das Sucessões, mais detidamente no campo do inventário e partilha.
Através da aludida lei foi instituído o procedimento administrativo, ou
extrajudicial para os mencionados institutos promovendo maior celeridade a um
custo bem menor às partes envolvidas.
Conforme
demonstrado, para a obtenção do direito de realizar tal procedimento pela via
administrativa, fazem-se necessários que estejam presentes os requisitos
necessários e expressos no bojo do texto legal, a saber: Partes capazes,
concordes e ausência de testamento, sendo esse último requisito um ponto de
bastante discussão doutrinária, mas de fácil entendimento a partir do momento
em que se leve em conta que um testamento não trata somente de questões
patrimoniais, podendo este tratar também de questões pessoais.
Ficou
também claro que trata-se de um procedimento facultativo, e com livre escolha
do tabelião de notas que será o responsável pela lavratura do ato. Também,
buscou-se esclarecer que apesar de ser um procedimento sem custas às partes,
desde que previamente requerido através de uma simples declaração de pobreza,
faz-se necessária a presença de um Advogado, consubstanciando o disposto no art.
133 da CF/ 88, que aduz ser este indispensável à administração da justiça.
Espera-se
que a estudada lei possa, ao longo do tempo, atingir todos os objetivos a que
foi proposta e consequentemente desburocratizar tal procedimento inevitável a
maior parte da população. Assim, certamente as questões afetas ao Direito das
Sucessões, mais especificadamente no campo do inventário e partilha serão
resolvidas com muito mais eficácia, favorecendo a todos que dele necessitam.
LUIZ CLÁUDIO SALUSTIANO DE OLIVEIRA/ ADVOGADO
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição
(1988). Constituição da república Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado, 1988.
BRASIL. Lei nº 11.441, de
04 de Janeiro de 2007. Altera dispositivos da Lei no 5.869,
de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, possibilitando a
realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual
por via administrativa.. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil/leis/L11.441.htm Acesso em 01 de Agosto de
2013.
CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 23. ed.
reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 6.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. 3. ed. rev. São
Paulo: Saraiva, 2009. v. 7.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões. 8. ed. São Paulo: Atlas,
2008. v. 7.
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