quinta-feira, 28 de novembro de 2013

DANO MORAL

DANO MORAL

   Para a caracterização da ocorrência dos chamados danos morais, faz-se necessária, segundo o Código Civil de 2002 (CC/02) “a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta do suposto causador do dano, e o resultado na vítima”, trazendo-lhe consequências nocivas à sua moral ou sua honra. Para tanto, é de suma importância tal demonstração da ocorrência danosa e de todos os reflexos que tal ato possa ter acarretado na vida do indivíduo.

     Ocorre que os danos morais são dificilmente aferíveis, por estarem em abstrato, num plano imaterial, e de caráter subjetivo, contrário aos danos materiais. A dificuldade encontra-se a princípio na própria conceituação do dano moral e mesmo com a amplitude de julgados sobre o tema, ainda não foi possível se definir com clareza o que venham a ser os danos morais. Por muitas vezes, o dano moral acaba sendo entendido como dor, sofrimento, humilhação, rebaixamento, e uma gama de sentimentos negativos frutos de uma situação ocorrida, o que nem sempre é verdade, pois tais sentimentos acabam sendo na verdade as consequências do dano moral, e não o dano em si mesmo, e tal entendimento predomina hodiernamente nas decisões do TJMG que versam sobre o assunto, conforme pode ser observado em recentes sentenças proferidas por este Tribunal.

     Nessa esteira, surge a dificuldade encontrada, a priori, para se definir o que é o dano moral e diferenciá-lo necessariamente das suas consequências. Resta ao julgador definir critérios para mensurá-lo e aplicar em um caso concreto a indenização proporcional ao dano sofrido. Muitas vezes isso se torna uma difícil tarefa, pois cabe ao julgador utilizar-se dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade  para assegurar uma decisão justa, que venha a coibir a reincidência da prática pelo agente, e que ao mesmo tempo tenha caráter pedagógico, vindo assim a exercer seu caráter preventivo em face de novas condutas semelhantes.

   Dessa forma, o presente estudo buscará expor com clareza os requisitos e consequências para a configuração de existência dos chamados danos morais, assim como dos supramencionados critérios utilizados pela doutrina e jurisprudência para sua caracterização e indenização, entendendo-se aqui como sendo consequências, os sentimentos de humilhação, dor, vergonha, entre outros supramencionados. Nesse escopo, serão analisados tais critérios sob a ótica do Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais, trazendo à baila algumas decisões acerca do tema para uma melhor compreensão e entendimento de sua aplicabilidade na Justiça Estadual.

1 OS DIREITOS DE PERSONALIDADE

     Para um melhor entendimento sobre a definição do que vem a ser o dano moral, faz-se necessária uma maior compreensão do bem jurídico ofendido com a prática desse ato. Assim, em primeiro plano, cabe diferenciar danos morais de danos patrimoniais, e, nesse ínterim, expor o que vem a ser os chamados direitos de personalidade cuja proteção tem previsão expressa em nosso ordenamento jurídico, conforme será demonstrado adiante.


2 DANO MORAL X DANO MATERIAL

     O dano é único, e a diferenciação entre danos morais e materiais que vem sendo acolhida pela doutrina se limita às suas consequências e seus efeitos. Dessa forma, uma única conduta do agente, seja ela lícita ou ilícita, poderá acarretar na sua responsabilização cumulada pelos dois tipos danosos. Sobre isso, nosso Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou através da súmula 37 : “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.” 

   Os danos patrimoniais são definidos pelo ordenamento jurídico como sendo danos causados a determinado bem, e tais danos são comumente estipulados utilizando-se a “teoria da diferença ”, que apregoa que o dano seria a diferenciação entre a situação patrimonial anterior e a posterior à ocorrência do prejuízo material sofrido. Assim, leva-se em conta o antes e o depois para obter um coeficiente do dano causado a determinado bem, e essa vem a ser a grande diferenciação deste tipo de dano em relação aos danos morais. Insta observar que a moral também pertence ao patrimônio do sujeito, fazendo assim parte de seu patrimônio, porem, devem ser diferenciados quando lesados, pois enquanto o dano patrimonial pode ser delimitado, o dano moral deverá ser compreendido pelo julgador.

     Tomemos como exemplo o dano material causado a um automóvel, estacionado sob um canteiro de obras, e que tem seu capô amassado por uma pedra oriunda dos andares superiores da referida construção. Seja esse automóvel de qualquer pessoa, o dano será sempre o mesmo, pois será auferido pelo preço de seu conserto, e, em alguns casos, pelos lucros cessantes, caso seja objeto de trabalho, mas nunca será diferenciado por peculiaridades de seu proprietário, tais como condição social, idade, entre outras. Agora na mesma situação fática, supondo que ao invés de uma pedra seja arremessada uma certa quantidade de barro sob a cabeça da vítima que por ali passa em decorrência de algum tipo de preconceito, ou por uma simples brincadeira, esse ato já deverá ser mensurado, e com certeza a responsabilização será diversa, pois transcenderá o mundo real, indo de encontro ao subjetivo devendo pois, ser tratado tal ato de maneira diferente.

     Desta feita, entendem, como danos materiais (que se dividem em “danos emergentes”, que é aquilo que se perdeu, e “lucros cessantes”, o que se razoavelmente deixou de ganhar, de acordo com o art. 402 do CC/02 ) como o cálculo do dano sofrido ao bem material juridicamente protegido. Já danos morais, que são muito mais difíceis de serem contabilizados, ocorrem quando uma vítima é afetada em seu plano psíquico, intelectual ou moral. Configura-se por ofensas à sua honra, à sua imagem, privacidade, enfim, aos seus direitos de personalidade que agora passaremos a expor.

3 A PROTEÇÃO JURÍDICA AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE

     Para uma melhor compreensão dos direitos de personalidade, importante seria começar com a lição de Maria Helena Diniz em sua obra: 

     A personalidade consiste no conjunto de caracteres da própria pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é. (DINIZ, 2002, p. 172).

      Dessa forma, toda e qualquer pessoa, seja ela pessoa física ou jurídica, poderá ser titular de relações em decorrência de sua personalidade, estando tal afirmativa expressa no art. 1º do Código Civil: “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Ainda sobre o tema, faz-se interessante trazer ao presente estudo as palavras do professor Nelson Rosenvald: 

    Trata-se de uma aptidão genericamente reconhecida: toda pessoa é dotada de personalidade. É a possibilidade de ser titular de relações jurídicas e de reclamar o exercício da cidadania, garantida constitucionalmente, que será implementada (dentre outras maneiras) através dos direitos de personalidade. (ROSENVALD, 2006, p.98).

Assim, conforme demonstrado, a personalidade é parte integrante da pessoa e permite que seu titular venha a defender todos os interesses referentes a ela. A personalidade é um valor jurídico presente nos indivíduos que se materializa como capacidade jurídica, ou de direito. Deve ser estendida a todas as pessoas, motivo pelo qual ganhou inclusive proteção Constitucional, onde pode ser vislumbrada como um valor ético.

Nesse cenário, cabe agora aprofundar o estudo do presente artigo aos direitos da personalidade, que vem a ser o bem jurídico protegido pelo legislador, e que enseja indenização em caso de sua inobservância. São direitos relativamente recentes, surgidos após a Segunda Guerra Mundial. 

Vale lembrar que no passado, tais direitos não encontravam proteção expressa nos moldes em que hoje se encontra. O Direito Romano sequer os mencionava, apenas se reservava a contemplar a chamada actio injuriarum, que nada mais era que uma simples ação contra os crimes de injúria da época. Os Gregos também não demonstraram preocupação em proteger os direitos de personalidade, possuindo também uma única ação denominada dike kakegoric que visava punir aqueles que atentavam contra algum tipo de interesse moral ou físico. Uma maior proteção a tais direitos somente veio a despontar com o Cristianismo e sua pregação da fraternidade universal, que apontavam para uma necessária proteção da personalidade humana.

Com o passar do tempo, novos textos legislativos foram sendo criados, e cada vez mais era notória a presença de uma maior preocupação com os direitos de personalidade. A Carta Magna Inglesa, do ano de 1215, trazia proteção a alguns aspectos da personalidade humana, tal como a liberdade, vindo mais adiante a reconhecer os direitos de personalidade. Anos mais tarde, a Declaração dos Direitos do Homem  trouxe uma proteção expressa à personalidade humana e aos direitos individuais, no ano de 1789. Porém, somente após a Segunda Guerra Mundial, frente aos crimes contra a humanidade praticados pelos nazistas sentiu-se de forma veemente a necessidade de assegurar uma tutela fundamental e geral em favor dos direitos da personalidade humana. Nesse ambiente, foi promulgada em 1948 a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Faltava ainda uma definição mais específica dessa proteção, pois os Códigos Civis ainda não faziam menção aos direitos de personalidade. Com o fim da guerra, os códigos foram sucessivamente reformulados, passando a conter em seu bojo, na grande maioria, proteção expressa aos direitos de personalidade. No Brasil, os direitos de personalidade foram aceitos devidos às inúmeras contribuições doutrinárias acerca do assunto, vindo somente a alcançar status legislativo no texto Constitucional de 1988. 

No Código Civil Brasileiro, os direitos de personalidade estão contidos nos artigos 11 a 21. Porém, ainda se busca inscrever de forma mais expressa tais direitos no corpo do texto Constitucional, ganhando força nos dias de hoje um movimento de Constitucionalização da proteção aos referidos direitos.

4 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE

     Os direitos de personalidade podem ser definidos como absolutos, indisponíveis, e imprescritíveis, conforme aduz o CC/02. São absolutos porque sua eficácia vale contra todos aqueles que tentarem de certa forma ameaçá-los (oponíveis erga omnes). Trata-se de um dever de todos os indivíduos de uma sociedade respeitá-los. São indisponíveis porque é proibido ao seu titular deles se dispor, seja de forma total ou mesmo parcial, sendo importante ressaltar que existe uma relativização quanto ao direito de ceder de forma temporária o exercício de alguns direitos de personalidade, como por exemplo, a execução de uma canção. Também são imprescritíveis visto que uma lesão causada a um direito de personalidade não pode prescrever pelo passar do tempo, impedindo o exercício de sua tutela. 

Insta ressaltar que, acerca da imprescritibilidade, esta não deverá ser confundida com a prescrição oriunda da pretensão indenizatória de dano sofrido aos direitos de personalidade. Tal pretensão prescreve normalmente em três anos (Código Civil, art. 206, §3º, V). O que é imprescritível é somente a pretensão de se garantir o exercício de certos direitos que possam ter sido violados.

Os direitos de personalidade buscam assegurar uma proteção à pessoa humana em todos os seus aspectos. Nesse escopo, leciona Rosenvald:

     Assim, a classificação deve ter em conta os aspectos fundamentais da personalidade que são a integridade física, (direito à vida, direito ao corpo, direito à saúde ou inteireza corporal, direito ao cadáver...) a integridade intelectual (direito à autoria científica ou literária, à liberdade religiosa e de expressão, dentre outras manifestações do intelecto) e a integridade moral ou psíquica (direito à privacidade, ao nome, à imagem, etc.) (ROSENVALD, 2006, p. 108).

Tal classificação não limita os direitos de personalidade, pois ficaria quase impossível uma definição taxativa de tais direitos. São direitos amplos e em constante desenvolvimento, seguindo a esteira evolutiva do próprio homem, que vem a ser seu titular. São valores em eterna modificação, devendo serem contextualizados e por esse motivo, devem sempre estar em consonância com a tutela jurisdicional do estado.

Entre os chamados direitos de personalidade, de acordo com Fiuza (2003) podemos elencar:

      a) Direito à integridade física: Que se define como uma proteção ao corpo do indivíduo, incluindo aqui a proteção também a todas as suas partes em separado, como tecidos e órgãos. Vale ressaltar também que tal proteção se estende inclusive ao cadáver do indivíduo falecido.

     b) Direito á integridade moral (Psíquica): Confere tutela à honra, imagem, liberdade, nome, vida privada, entre outros. São proteções destinadas à incolumidade moral buscando preservar  todo o conjunto moral e psicológico do indivíduo.

    c) Direito à integridade intelectual: Que se referem à proteção dispensada à criação, às manifestações intelectuais, a liberdade de pensamento, o invento, e o mais amplamente divulgado, o direito autoral, que inclusive foi tutelado por legislação específica, quer seja, a Lei nº 9.610/98 , e em súmula do STJ, como é o caso da súmula 63 : “São devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabelecimentos comerciais.”

     No Brasil, conforme supramencionado, os direitos de personalidade acima elencados encontram proteção também na Constituição Federal de 1988 , muito embora de forma implícita na cláusula geral de tutela de personalidade, ao mencionar a dignidade da pessoa humana como um valor fundamental. Na Constituição estão arrolados vários direitos de personalidade tais como honra, imagem, liberdade entre outros, valendo ressaltar que a lista de tais direitos não é taxativa, deixando margem para uma ampliação desse rol de acordo com a evolução social, e que os mesmos também encontram proteção prevista no Código Civil, conforme já frisado, em seu Capítulo II do livro I da parte geral.
Sobre o assunto, o professor Cezar Fiuza aduz com clareza: 

     Não se pode dizer que o Diploma Civil contenha, de forma clara, um cláusula geral de tutela de personalidade. Limita-se a dispor que os direitos de personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo sofrer limitações voluntárias em seu exercício. Além disso, prevê a possibilidade de se exigir que cesse qualquer ameaça a esses direitos, além da indenização por lesão que venha a sofrer. (FIUZA, 2003, p. 144).

Na mesma esteira, o renomado autor tece uma comparação com o Código Civil Japonês, no que diz respeito aos direitos de personalidade:

      O Código Brasileiro, ao contrário de outros, como o Japonês, por exemplo, preocupa-se muito mais, para não dizer tão só, com as possíveis patologias dos direitos de personalidade , em vez de tutelar a personalidade de modo mais holístico, promovendo a dignidade humana e vinculando a interpretação das normas de Direito privado a este valor fundamental. Continua, pois, a ser necessário reportar-se  à Constituição para a consecução desse objetivo hermenêutico. (FIUZA, 2003, p.144).

5 A PROTEÇÃO AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE

A proteção aos direitos de personalidade pode se dar através de diversos meios. Sobre os direitos de personalidade, o artigo 461 do Código de Processo Civil reconhece a possibilidade do exercício da proteção, seja ela preventiva ou repressiva à sua violação. Além disso, podemos mencionar o artigo 12 do Código Civil, que amplia as possibilidades de proteção aos direitos aqui estudados.

Certo é que a violação dos direitos de personalidade causam uma série de consequências desagradáveis, e de caráter personalíssimo, que vão além de meros dissabores do dia a dia. São danos que atingem a moral da vítima, e, conforme mencionado alhures, devem ser tutelados pelo Estado. Existem várias ações possíveis de serem distribuídas visando combater a violação desses direitos, com previsão de sanções jurídicas àqueles que de alguma forma os violam. Resultado comum dessas possibilidades de ações são condenações à reparação pelos danos morais causados.

Importante nesse ponto destacar que para a caracterização da ocorrência dos danos morais, não se faz necessária a obrigatoriedade de se provar nos autos a ocorrência de dor, humilhação, vexame, tristeza, ou outro sentimento que sobreveio da violação de direito, basta somente demonstrar a simples violação dos direitos de personalidade do indivíduo, e isso pode ser visto em recentes julgados do TJMG. Sentimentos como dor, vergonha, vexame, são de ordem subjetiva, impossíveis de serem demonstrados. Além do que, não são tais sentimentos a ocorrência da violação dos direitos de personalidade, mas somente sua consequência.

Nesse sentido fundamentam-se as decisões recentes do Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais (TJMG) que se mostra a favor do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “No sistema jurídico atual, não se cogita da prova acerca da existência de dano decorrente da violação aos direitos de personalidade, dentre eles a intimidade, a imagem, a honra e a reputação, já que, na espécie, o dano é presumido pela simples violação do bem jurídico tutelado”. 

Destarte, observa-se que através da responsabilidade civil materializa-se o principal objetivo do Direito Civil que é a proteção da pessoa humana e de seus direitos individuais. Certo é que todo dano moral é resultado da violação aos direitos de personalidade, corroborando com tal pensamento Maria Celina Bodim de Moraes (1997, p.132) que se propôs a definir o dano moral, “Através da injusta violação a uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial protegida pelo ordenamento jurídico através da cláusula geral de tutela da personalidade que foi instituída e tem sua fonte na Constituição Federal.”

Ponto de extrema relevância para o presente artigo é uma ampla definição e entendimento da responsabilidade civil presente no ordenamento jurídico vigente, pois a responsabilização civil é o ponto de materialização da tutela aos direitos de personalidade, que uma vez violados, ensejam reparação pelos danos morais causados, objeto do presente estudo dentro do âmbito do TJMG.

6 DA RESPONSABILIDADE CIVIL

     Trataremos no presente estudo, da responsabilidade civil extracontratual, também conhecida como aquiliana, em razão da Lex Aquilia, que foi a primeira lei a delimitar sistematicamente a responsabilidade civil na ocorrência de delitos.

      A Lex Aquilia era na verdade plebiscito votado por proposição de um tribuno da plebe, de nome Aquilius, mais ou menos, em fins do século III a.C. é lei de circunstância, provocada pelos plebeus que, desse modo, se protegiam contra os prejuízos que lhes causavam os patrícios, nos limites de suas propriedades. Antes da Lei Aquilia imperava o regime da Lei das XII Tábuas, que continha regras isoladas. (FIUZA, 2003, p. 606).

      Mas ao adentrar no assunto nos surge o primeiro questionamento acerca do que venha a ser um ato ilícito para o Direito Civil. Nesse contexto, inevitável seria comparar um ato ilícito, à luz do Direito Civil, com um ato antijurídico, sendo que sua principal distinção reside justamente nas consequências resultantes da prática de um ou de outro.

      Um ato antijurídico pode ser conceituado como sendo aquele contrário ao Direito , mas que não causa consequências e danos a terceiros, nem ao próprio agente que o pratica. Podemos citar como exemplo aquele que dirige um automóvel sem utilizar-se do cinto de segurança. Caso chegue em sua casa livre de infortúnios pelo caminho, este teria cometido um ato meramente antijurídico, pois tal ato, apesar de ser contrário à legislação vigente, não causou danos a ninguém. Contrário a isso é o ato ilícito, que além de ir de encontro ao ordenamento jurídico, ainda causa danos a terceiros, e muitas vezes no próprio agente que o pratica. 

      Um ato ilícito pode ser dividido em elementos, que devem existir em conjunto. Podem ser definidos como antijuricidade, culpabilidade, dano, e o nexo causal . Conforme já aludido, tais elementos devem coexistir, e não somente existirem isoladamente, pois faltando qualquer um deles à conduta do agente, não existirá ilícito a ser reparado na esfera civil. Nesse diapasão cabe relembrar que não serão considerados atos ilícitos aqueles praticados em legítima defesa, em estado de necessidade, em exercício regular de direito, ou em cumprimento do dever legal, assim como aqueles praticados em função de caso fortuito ou força maior. 

7 ELEMENTOS DO ATO ILÍCITO

      Para uma maior compreensão do que venham a ser os atos ilícitos, que por conseguinte ensejam ao pagamento de indenização por danos morais, faz-se importante analisar os elementos que o configuram separadamente, ressaltando que para sua caracterização necessário se faz que tais elementos coexistam na conduta do agente causador do dano.

     a) Antijuricidade: Pode-se definir a antijuricidade como sendo a contrariedade ao direito. É quando a ação ou omissão do agente caminha em desencontro às normas pré-estipuladas pelo ordenamento jurídico, ou mesmo contra a ordem social, a segurança, entre outros.

     b) Culpabilidade: Estão envolvidos no elemento “culpabilidade” os conceitos de culpa e dolo, que apesar de representarem coisas diferentes, ensejam à reparação civil sob forma de indenização.  Principal diferença entre os dois é que o dolo é uma ação ou omissão voluntária, intencional, enquanto que a culpa é involuntária, pautada pela negligência, imperícia ou imprudência (podendo ser definida negligência, como falta de cuidado; imperícia, como falta de conhecimento técnico; e imprudência, como o agir sem precaução). Dentro da culpa, ainda podemos subdividi-la em grave, leve, e levíssima, dependendo do risco assumido pelo agente, lembrando que a culpabilidade não é levada em conta quando a responsabilidade é objetiva.

      c) Dano: Pode ser entendido como a diminuição ou subtração de um bem jurídico, através da sua análise antes e depois de ocorrido evento danoso. O dano pode se classificar em dano patrimonial (ou material), e dano moral, que é o objeto do presente estudo. Patrimonial é aquele tipo de dano que resulta em prejuízos materiais, facilmente constatado, e possível de ser avaliado economicamente. Já o dano moral é aquele que causa lesão aos direitos de personalidade anteriormente explanados, tais como a honra, a imagem, etc., sendo, pois um tanto quanto difícil mensurar seu valor indenizatório por se tratar de uma lesão ao subjetivo do indivíduo.

8 AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PARA REPARAÇÃO DE DANOS

A Indenização apropriada pela prática de atos ilícitos causadores de danos morais é chamada ação indenizatória. O sujeito capaz de figurar no polo ativo desse tipo de ação é, em primeiro plano, o prejudicado pelo ato, sendo que caso já esteja morto poderá ser representado por seus herdeiros. Também podem representa-lo no polo ativo da ação todos aqueles que pelo prejudicado eram alimentados, ou ainda seus representantes legais e até mesmo seu procurador, desde que lhe sejam conferidos poderes especiais para tanto. Insta ressaltar ainda a possibilidade de o empregador demandar no polo ativo de uma ação indenizatória buscando reparação por prejuízos sofridos como consequência de danos causados ao empregado.

      Sobre o tema, preleciona Fiuza:

     O sujeito passivo, ou seja, a pessoa contra quem se proporá a demanda, será o autor do delito. Se for absolutamente incapaz, serão acionados seus representantes legais. Se for relativamente capaz, é solidariamente responsável junto com seus representantes legais. Se estiver morto, seus herdeiros responderão dentro das forças da herança. Além destes, pode-se acionar os coobrigados pelo dano, como o partícipe de um crime. (FIUZA, 2003, p. 612).

     Sobre o ônus da prova  em uma ação indenizatória, este caberá ao sujeito ativo, quer seja, o prejudicado, lembrando que não será este obrigado a provar a dor, humilhação, ou sofrimento suportados, mas tão somente a ocorrência dos fatos que causaram tais danos. Deverá também comprovar nos autos os elementos anteriormente estudados, que são o dano propriamente dito, a culpabilidade do agente causador (com exceção nos casos onde se aplicar a responsabilidade objetiva), e o nexo causal entre a conduta e o dano, ressaltando que a conduta do agente causador do dano deverá ter sido tida como antijurídica.

O Dano moral, mencionado alhures, foi delineado de forma clara nos dizeres da professora Maria Helena Diniz: 

     O dano moral, no sentido jurídico não é a dor, a angústia, ou qualquer outro sentimento negativo experimentado por uma pessoa, mas sim uma lesão que legitima a vítima e os interessados reclamarem uma indenização pecuniária, no sentido de atenuar, em parte, as consequências da lesão jurídica por eles sofridos (DINIZ, 1998, p. 82).

Fica claro e evidenciado que, o dano moral em si mesmo não deve, de forma alguma, ser confundido com suas consequências. Na ação indenizatória aqui exposta o que deverá ser comprovado é a ocorrência dos fatos danosos, pois suas consequências, desde que devidamente comprovados os fatos, são presumidas, não devendo ser comprovadas nos autos da ação.

9 A MENSURAÇÃO DOS DANOS MORAIS SOB A ÓTICA DO TJMG

Conforme já estudado, danos morais são aqueles que abalam a honra, a boa-fé subjetiva, ou a dignidade das pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, estando tais elementos inseridos dentro dos direitos de personalidade. Ocorre que para que haja reparação pela ocorrência de tais danos, necessária se faz a prova de nexo causal entre o fato gerador do dano, e suas consequências nefastas na vida pessoal da vítima ofendida.

Para uma melhor compreensão dos fatos danosos, e uma justa reparação, necessário se faz comprovar nos autos da ação indenizatória, de maneira cabal, todas as condições nas quais ocorreram as ofensas aos direitos de personalidade do ofendido, demonstrando com clareza a extensão do dano e todas as suas consequências geradas.

No ordenamento jurídico Brasileiro não existem maiores discussões acerca do assunto, e correntes com posicionamentos bastante sedimentados já se encontram presentes tanto na jurisprudência quanto na doutrina, sendo que muitas doutrinas já indicam inclusive parâmetros para a fixação de valores devidos a título de indenização por danos morais causados a alguém.

Exemplo clássico desse parâmetro diz respeito aos danos estéticos causados por conduta culposa do agente que deixa marcas no ofendido. Certo é que o agente será responsabilizado e condenado à reparação dos danos morais causados, sendo esse um assunto pacificado e presente em diversas jurisprudências, como a que segue abaixo transcrita de ação indenizatória ajuizada no TJMG:

    ACIDENTE POR FATO DE SERVIÇO. CORRIDA DE KART. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. INTEGRIDADE FÍSICA. INCOLUMIDADE. DANO ESTÉTICO. Resta configurado o acidente por fato do serviço quando este não oferecer a segurança que dele legitimamente se espera. Na moderna concepção doutrinária os danos morais fazem-se presentes, via de regra, em qualquer lesão à subjetividade da pessoa nas situações que vivencia cotidianamente, posto que visem sempre tutelar o respeito à dignidade humana, da qual fazem parte os direitos da personalidade, que, por seu turno, englobam a integridade física. Por isto, quando numa pista de kart houver acidente por fato do serviço capaz de gerar no envolvido seqüelas físicas idôneas a afetar o seu bem estar enquanto pessoa humana, resta evidenciado o dever indenizatório. A marca corporal em si gera sofrimento de natureza diversa e independente da dor puramente moral, razão pela qual o pedido de indenização pelo dano estético pode ser cumulado com a pretensão à reparação por dano moral. 

Para a elaboração de uma justa e correta decisão acerca dos danos morais ocasionados e devidos, faz-se necessária uma delimitação de parâmetros a serem utilizados de maneira comum à todos os membros do Tribunal, para que assim, as decisões oriundas de uma mesma fonte não sejam demasiadamente diversas em seu entendimento.

      Mas até que ponto uma parametrização dos danos morais seria justa ou benéfica? Sabe-se que cada pessoa física ou jurídica dispõe de uma situação única, e os danos que venham a lhe ser causados acarretarão prejuízos em consonância com suas características e peculiaridades. Isto posto, torna-se tarefa árdua generalizar a ocorrência e, por conseguinte, a responsabilização e reparação de danos morais causados.

Ocorre que tais parâmetros adotados pelo TJMG servem apenas de base para limitação de ocorrência dos danos, e não para a fixação de valores liquidados. Por exemplo, no acórdão acima transcrito, a pessoa ofendida pela negligência do responsável pelo zelo com aqueles que alugavam seus Karts mereceu reparação pelos danos morais causados à sua integridade física, sendo que tal fato lhe deixou sequelas eternas. Agora, a vítima, caso fosse um artista de renome, ou uma modelo famosa, certamente colheria maiores angústias e consequências pelas sequelas do acidente. Obviamente que, nas duas situações distintas, os parâmetros seriam os mesmos para se fixar a necessidade de reparação pelos danos morais causados, mas os valores certamente seriam diversos, pois as consequências também o seriam. 

      Nessa esteira segue o posicionamento do TJMG na fixação do dever de indenizar pelos danos morais causados. Existem inúmeras jurisprudências sobre o tema, mas não existem valores pré-fixados, pois conforme mencionado alhures, os casos concretos devem ser analisados sob a ótica individual por conterem peculiaridades únicas. Essa diferenciação não visa “diminuir” uma pessoa em relação à outra, por ter maior ou menor importância para a tutela jurisdicional do estado, mas sim diferenciar as consequências que condutas idênticas podem ter em pessoas distintas.

      Aqui, vale a aplicação da chamada igualdade de Aristóteles  que veio a tornar-se um verdadeiro jargão no mundo jurídico: "A verdadeira igualdade consiste em tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualem”, sendo que tal afirmação ganhou inclusive status Constitucional no denominado princípio da Isonomia constante no artigo 5º da respectiva Carta Magna.

       Mesmo em decisões de 1ª instância, percebe-se a utilização de parâmetros jurisprudenciais presentes, e aqui vale ressaltar uma peculiaridade existente na grande maioria das ações indenizatórias do TJMG que é a observação do caráter pedagógico das condenações. Segundo Claudio Cavalcante Salmito, advogado especialista no assunto, 

       A soma não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento nem tão pequena que se torne inexpressiva. Os excessos e as mitigâncias só levam à desmoralização do instituto, restando necessário que se considere os princípios da proporcionalidade, da equidade, razoabilidade, e principalmente o bom senso do julgador. (SALMITO, 2011).

     Nesse diapasão percebe-se uma preocupação constante nas decisões oriundas do TJMG, em se tratando de condenação ao pagamento por danos morais, de se observar o caráter pedagógico da condenação para que assim esta não se torne sem efetividade, e ao mesmo tempo sirva de instrumento a coibir a reincidência do mesmo ato pelo agente. Em recente decisão proferida pelo Magistrado Dr. Fabrício Simão da Cunha Araújo , do TJMG, é possível observar tal preocupação pedagógica na mensuração dos danos morais a serem arbitrados:

     O valor da indenização decorrente do dano moral se mede pela consideração da dimensão compensatória e pela dimensão inibitória da reparação. Na primeira, deve-se ponderar a extensão do dano, de acordo com o valor do bem jurídico afetado na tábua axiológica da Constituição da República e também as condições pessoais da vítima antes e depois da lesão. Na segunda, calcado na teoria do valor do desestímulo, deve-se considerar a necessidade de que o quantum sirva de meio pedagógico ao condenado para não reiterar a conduta ilícita, ponderando o grau de sua culpa e suas condições econômicas, sem consistir em vantagem desmedida para o ofendido. Neste diapasão, consideradas as peculiaridades do caso já abordadas, entendo que, observado o disposto no artigo 6º, da Lei 9.099 de 1995, o valor da indenização por danos morais deva ser arbitrado em R$ 4.000,00. 

O Magistrado é taxativo ao mencionar que o caráter pedagógico da condenação deverá servir de desestímulo à reincidência do ato que ocasionou a reparação por danos morais ao ofendido, sendo este um dos critérios mais amplamente buscados nas decisões do TJMG que fixam condenações nesse sentido.

O TJMG busca através dos critérios expostos, reparar o ofendido sem que isso se torne uma fonte de enriquecimento ilícito. Busca utilizar-se de parâmetros já existentes em decisões proferidas por seus membros, porém fixando valores através de critérios subjetivos que levem em conta as peculiaridades de cada caso analisado de maneira isolada. Busca também observar o critério pedagógico acima descrito de suas condenações, pois de nada valeria uma condenação que não contivesse em seu bojo o temor de uma reincidência por parte do agente causador do dano. Caso a condenação não imputasse tal receio ao agente, esta restaria sem efetividade, e na concepção atual do TJMG não basta tão e somente reparar financeiramente o ofendido pelos danos suportados, mas também deve-se criar um mecanismo de evitar novas condutas idênticas, e isso só se faz possível através da observância do caráter pedagógico, prática esta presente na grande maioria das decisões do referido Tribunal.

CONCLUSÃO

Conclui-se o presente trabalho, que os danos morais não são possíveis de ser contabilizados, como ocorre com os danos materiais, mas, suas consequências são latentes na esfera subjetiva da vítima de tais danos. Faz-se necessária portanto uma demonstração dessas consequências para um correto entendimento e posterior julgamento da indenização a ser aplicada pelo julgador, sendo diversas em cada caso específico.
Nesse contexto, estando presentes tais consequências, será possível ao julgador exercer seu poder jurisdicional e aplicar a justa penalidade ao caso concreto. Em âmbito Estadual, conforme prelecionado alhures, o TJMG busca ser equânime em suas decisões proferidas dentro de ações de cunho indenizatório. Este Tribunal faz-se valer de jurisprudências existentes dentro de suas próprias delimitações de jurisdição, com posicionamentos sedimentados, aplicando tais decisões de maneira parametrizada a cada caso, observando as peculiaridades de cada um, em consonância com o aludido princípio Constitucional da Isonomia.

      Isso significa que serão utilizados parâmetros para estabelecer os valores das indenizações, mas em cada caso específico tais parâmetros serão aplicados de forma diversa, pois nem sempre uma mesma conduta ocasionará o mesmo mau a dois indivíduos diferentes. 
Tais reparações sempre serão pautadas pelo seu caráter pedagógico, ou seja, terão além do condão de reparar o mau causado, evitar que tal mau aconteça novamente reiteradas vezes, buscando resguardar a coletividade de ofensas aos chamados direitos de personalidade de cada um de seus indivíduos.

LUIZ CLÁUDIO SALUSTIANO DE OLIVEIRA/ ADVOGADO

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil. Vade Mecum compacto. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRASIL. Código de Processo Civil. Vade Mecum compacto. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG. Embargos de declaração nº 1.0024.07.515139-9/002. Relatora: Des. Selma Marques. 29 de junho de 2009.

BRASIL. STJ, Ac Unânime 4ª T.m Recurso Especial nº 506.437/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 16 de setembro de 2003.

BRASIL. TJMG. Sentença autos do Processo nº: 9005647.59.2010.813.0024. em 29 de abr. de 2012.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 18º ed., 2002, 1º vol.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1998.

FIUZA, Cézar. Direito Civil: Curso completo. 7.ed. ver., atual. e ampliada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

MORAES, Maria Celina Bodim de. Recusa à realização do exame de DNA na investigação de paternidade e direitos de personalidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

ROSENVALD, Nelson e FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil – Teoria Geral, Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006.

SALMITO, Claudio Cavalcante. O esquecido caráter pedagógico das condenações de dano moral brasileiras. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3047, 4 nov. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20356>. Acesso em: 3 jun. 2012.

SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

SOARES, Milton Delgado.  Direito Civil. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2009.

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