quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A ILEGALIDADE DO PROTESTO DOS BOLETOS BANCÁRIOS

A ILEGALIDADE DO PROTESTO DOS BOLETOS BANCÁRIOS

1 INTRODUÇÃO

     O tema aqui exposto à luz do Direito foi escolhido diante da importância do protesto como instituto assegurador de direitos cambiários, devendo, por essa prerrogativa que lhe é conferida, ser tratado com o devido respeito e com todas as precauções legais.

     Tal tema, desenvolvido através de pesquisas na legislação vigente e doutrinas, é objeto de poucos e limitados estudos específicos, e o presente trabalho visa justamente suprir essa lacuna ao desenvolver uma pesquisa que buscará auxiliar futuras consultas jurídicas e trabalhos porventura vindouros acerca do mesmo assunto, quer seja, a ilegalidade que permeia os protestos de boletos bancários como se títulos de crédito fossem, e as implicações cíveis e penais àqueles que incorrem nessa conduta abusiva.

2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

     Títulos de crédito, na clássica definição que lhes foi atribuída por Vivante (Vivante apud Costa, 2007, p.71) são “documentos necessários para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado”. Através dessa definição podemos extrair alguns dos elementos necessários a uma maior compreensão sobre os títulos de crédito no contexto da evolução comercial vivida nos últimos séculos.

     Porém, certo é que os títulos de crédito devem sempre atender às imposições legais e formalidades que os regem, sendo por esse motivo considerados formais. Dentre as características e requisitos necessários para que um documento seja classificado como título de crédito, três são de extrema relevância, e merecem ser estudados isoladamente. São eles a cartularidade, a literalidade e a autonomia.

     A cartularidade pode ser entendida como a materialização do direito no papel (ou cártula), de tal sorte que o direito não poderá ser exigido sem a apresentação do documento. Tal apresentação é exigível inclusive nos procedimentos judiciais que tem por base títulos de crédito, como no caso dos protestos cambiais, que serão detalhadamente estudados mais adiante. Sobre a cartularidade, faz-se importante frisar que sem a apresentação do documento original, não será possível o exercício do direito ali expresso.

     Outra característica imprescindível a um título de crédito é a literalidade, que corresponde ao que está inserido literalmente no documento. Nos ensinamentos de João Eunápio Borges (1976, p.13), “assim entendida, a literalidade constitui elemento e atributo de todo e qualquer título.” Assim, a existência e validade de um título estão limitadas ao que nele está inserido, e somente isso deve ser levado em consideração.

     A terceira e última relevante característica inerente aos títulos de crédito é a autonomia, que faz com que o título de Crédito seja um instrumento autônomo em relação ao negócio jurídico que lhe deu origem, surgindo daí o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais. Acerca dessa característica, vale destacar o que preleciona o professor Fábio Ulhôa Coelho em sua obra:

     De tal princípio decorrem outros dois subprincípios: A inoponibilidade das exceções pessoais e abstração. A nosso ver, a inoponibilidade das exceções pessoais é um dos aspectos da autonomia, não necessitando de um tratamento de separado. (COELHO, 2004, p.376)

     Com base nos requisitos supramencionados, e estando em posse de um documento que possua tais características, certo é que estaremos diante de um legítimo título de crédito apto a entrar em circulação, e sobre ele serem exercidos todos os direitos e prerrogativas inerentes a tais documentos assegurados pela legislação, tal como o protesto cambial.

     Várias são as espécies de títulos de crédito existentes no direito brasileiro, e regulados em leis especiais, tais como letra de câmbio (regulada pela Lei Uniforme de Genebra/ Decreto nº 57.663, de 24 de janeiro de  1966), nota promissória (também regulada pelo mesmo dispositivo legal), cheque (Lei 7.357/85), duplicata comercial (Lei 5.474/68), entre outros. Destes, merece destaque a duplicata comercial, por estar diretamente ligada à prática do protesto indevido de boletos bancários, objeto do presente estudo.

2.1 DUPLICATAS

     Duplicatas são títulos de crédito que tem por base um contrato celebrado de compra e venda mercantil, assim definido nas palavras de Duarte:

     A duplicata é um título de crédito causal e à ordem, que pode ser criada no ato da extração da fatura, para circulação como efeito comercial, decorrente da compra e venda mercantil ou da prestação de serviços, não sendo admitida outra espécie de título de crédito para documentar o saque do devedor ou prestador de serviços pela importância faturada ao comprador ou ao beneficiário dos serviços. (DUARTE, 2007, p.383).

Para que se concretize a emissão de uma duplicata, necessária se faz a existência prévia de um negócio jurídico de compra e venda mercantil a prazo sem o qual, a duplicata torna-se sem lastro, e é chamada fria, constituindo crime de estelionato.

  Importante para uma melhor compreensão do presente artigo é um amplo entendimento acerca dos requisitos essenciais para a existência e validade de uma duplicata mercantil. O §1º do artigo 2º da Lei de Duplicatas enumera tais requisitos, e por se tratar de um título formal, a ausência de quaisquer desses requisitos faz com que a duplicata perca sua eficácia cambial, assim como sua força executiva.

  Assim, têm-se como requisitos a denominação “duplicata” estampada no título, a data de emissão, o número de ordem, o número da fatura que lhe deu origem, a data certa do vencimento ou declaração de ser duplicata a vista, o nome e domicílio do vendedor e comprador, a importância a pagar em algarismos e extenso, a praça de pagamento, a cláusula à ordem, a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la a ser assinada pelo comprador sob a forma de aceite Cambial e, o mais importante, a assinatura do emitente, ou sacador da duplicata.

  Insta ressaltar que a duplicata é um título padronizado, e seus modelos devem seguir as determinações fixadas na resolução 102, de 26/11/1968, do Banco Central do Brasil, em consonância com o disposto no art. 27 da Lei 5.474/68 sendo que tal lei ainda permite a emissão das triplicatas, que devem ser documentos idênticos às duplicatas, diferenciando-se apenas no nome, e obedecendo às mesmas formalidades legais daquela, podendo ser extraída apenas nos casos de perda ou extravio da duplicata original.

  Contudo, mesmo diante de toda formalidade exigível ao título de crédito em comento, alguns doutrinadores e juristas posicionam-se no sentido de que a duplicata física é dispensável, como é o caso do professor Celso Barbi Filho (BARBI FILHO, 1997, p.11) ao afirmar em sua obra “na prática empresarial, que a emissão da duplicata propriamente dita constitui perda de tempo e de papel, pois ela pode ser suprida de forma simples e legal.”

  Tal posicionamento do renomado professor gerou polêmicas no meio jurídico, onde correntes contrárias a esse pensamento alegavam que o autor defendia a ilícita prática de supressão da duplicata física, fazendo com que ele viesse a se explanar melhor sobre o conturbado assunto:

     Tal procedimento tornou-se corrente no comércio e, em vista dele, cheguei a publicar um trabalho descrevendo sua ocorrência prática. Dito ensaio não foi bem aceito por alguns doutrinadores, que julgaram naquelas linhas uma defesa prática de não se emitirem as duplicatas. Na verdade, o que pretendi no referido estudo foi apenas constatar e demonstrar o fenômeno, apontando sua origem. (FILHO, 1997, p.171).

  Assim, com base no exposto acerca das duplicatas e seus requisitos essenciais de validade e existência, faz-se notório seu caráter formal, assim como sua invalidação em caso de inexistência de tais requisitos, sendo esse um importante ponto para um maior entendimento sobre os protestos ilegais dos boletos bancários.

2.2 O PROTESTO DA DUPLICATA

     O protesto da duplicata é um ato oficial e ao mesmo tempo formal que visa comprovar a apresentação do título ao sacado e um eventual descumprimento da obrigação nele imposto, podendo ser a falta de aceite no título, a falta de devolução, ou até mesmo seu não pagamento dentro do prazo definido. Essa modalidade de protesto é regulada nos artigos 13 e 14 da Lei 5.474/68.

     A duplicata é um dos poucos títulos de crédito onde existe a figura do aceite, sendo este de caráter obrigatório, pois o comprador somente poderá deixar de aceitar a duplicata que lhe foi enviada dentro das hipóteses previstas nos artigos 8º e 21º da Lei 5.474/68. Ocorre que o aceite não é um requisito essencial para a validade de uma duplicata, que pode inclusive circular normalmente sem ele, constituindo-se um título de crédito exequível contra o sacado.

     A partir desse ponto podemos concluir que, para que o sacado possa dar o aceite na duplicata, necessário se faz que ela seja devidamente apresentada. O sacado, por sua vez, poderá então dar o aceite ou recusá-lo justificadamente nas hipóteses dos artigos 8º ou 21º da mencionada Lei de Duplicatas, e, caso tal recusa seja motivada, este ficará resguardado de um futuro protesto cambial ou mesmo a execução do título.

     Caso a recusa pelo sacado em dar o aceite se dê de maneira injustificada, tal título poderá ser levado a protesto, e posteriormente à execução cambial, sendo essa a única forma legal de se protestar uma duplicata por falta de aceite. Tal afirmativa encontra guarida nas lições de Ricardo Negrão:

      Se o sacado não devolve o título, nem tampouco comunica seu aceite e retenção, o título pode ser protestado por simples indicações fornecidas pelo emitente ou apresentante ao oficial do cartório de protestos (LD, art.13, § 1º), acompanhadas de documento hábil comprobatório da entrega e recebimento da mercadoria ou do serviço prestado. (NEGRÃO, 2010, p.163).

     Prática grave, ilícita e comum nos dias atuais é a emissão das já mencionadas duplicatas frias, que são aqueles documentos simulados ou sem lastro colocados em circulação com o intuito de fraudar terceiros de boa fé. Nesse ínterim podemos incluir o uso abusivo do chamado boleto bancário pelas instituições financeiras que, sem ao menos extrair uma duplicata e enviá-la ao sacado, emite tais boletos e enviam a protesto como se títulos de crédito fossem, amparados pela falsa afirmativa do envio de uma duplicata que sequer existiu um dia, nem muito menos foi enviada ao aceite. Surge assim na doutrina atual a chamada “duplicata virtual” que divide correntes de juristas quanto a sua validade, existência, e principalmente sua força executória.

2.3 A DUPLICATA VIRTUAL

     Conforme mencionado no presente estudo, a duplicata tem modelo específico definido pela resolução 102, de 26/11/1968 do Banco Central do Brasil. Ademais, a Lei de duplicatas em seu art. 24 menciona que “da duplicata poderão constar outras indicações, desde que não alterem sua feição característica”. Assim, impossível se faz admitir a existência e validade de uma suposta duplicata virtual, tratando-se de uma idéia desvirtuada que objetiva principalmente dar força executiva aos boletos bancários que são ilegalmente levados a protesto pelas instituições financeiras com a anuência dos notários responsáveis pelo ato.

     Ora, se a duplicata física inexiste, se não está presente a cartularidade do documento, como poderia então ter sido enviada ao sacado para aceite? E se não foi enviada para aceite, como poderia então ser remetida a protesto por recusa imotivada do aceite? Uma duplicata que nem sequer foi extraída e enviada, não pode ter sido retida pelo sacado, que por sua vez, tem o seu direito de impugná-la cerceado. Por tais questionamentos, a duplicata virtual não existe e nem deve existir, ela não é título de crédito, assim como os boletos bancários também não o são. Ambos são frutos das instituições financeiras, ávidas por encontrar atalhos que a possibilitem exercer as prerrogativas cambiais em documentos atípicos aos títulos de crédito.

     Podemos como exemplo mencionar duas passagens da obra de Marlon Tomazette (2002, p.21,22) com posições distintas acerca do assunto. Primeiramente o autor faz referência à importância do formalismo em um título de crédito:

     [...] é Um documento só vale como título de crédito se obedecer aos requisitos legais previstos para tanto. A não observância dos requisitos não gera a nulidade do documento, mas apenas não se reconhece ao documento os efeitos de um título de crédito (art. 888 do novo CC). “O formalismo dá a natureza do título, transformando o escrito de um simples documento de crédito em um título que se abstrai de sua causa, que vale por si só, é per se stante”.

     Assim, se uma nota promissória não contiver o nome do seu beneficiário, por exemplo, ela não pode ser tratada como uma nota promissória. Em razão disso, tal documento não pode gozar  do tratamento peculiar dado aos títulos de crédito, não sendo, por exemplo, passível de execução. A irregularidade da forma afeta os efeitos do documento como título de crédito.

     Mais adiante, na mesma obra literária o autor preleciona que:

     Em síntese, embora ainda se questione, não se pode negar que o que se convencionou chamar de duplicata virtual é uma realidade, muito usada na prática, sem perder a principal vantagem de um título de crédito, a executividade. (TOMAZETTE, 2009, p.300)

     O autor destaca a princípio a importância da formalidade em um título de crédito, colocando-a como de extrema importância para assegurar os direitos e prerrogativas inerentes aos títulos em questão. Mais adiante defende o uso da duplicata virtual, que por não existir materialmente, foge ao critério da formalidade e não poderá nunca ser um título capaz de circular, pois, entre outras observações, não comportaria o endosso.

     As duplicatas, por serem títulos de crédito típicos, devem obedecer cabalmente seus pré-requisitos de existência e validade previstos em lei específica, a fim de resguardar os interesses daqueles que dele se valem para suas transações comerciais, e assim, contribuírem para a já mencionada circulação de riquezas. 
     
     Aceitar sua desmaterialização seria um regresso no mundo comercial.

3 OS BOLETOS BANCÁRIOS

     Os boletos bancários, como são usualmente conhecidos, são simples papéis de cobrança emitidos pelas instituições financeiras, buscando dar maior facilidade às suas operações comerciais. De forma alguma podem ser considerados títulos de crédito, pois não contem características específicas de tais documentos, como mencionado anteriormente.

     Entre as peculiaridades presentes no mundo dos títulos de crédito, e ausentes entre os boletos bancários, podemos destacar:

     a) Circulação: Conforme já ressaltado, tal característica é a principal função de um título de crédito, e permite ao credor a antecipação de valores que só seriam recebidos no futuro. Essa transferência do título se faz através de uma declaração cambiária própria, o endosso. Vale lembrar que o endosso não é a única forma de transferência de um título de crédito existente, podendo também se realizada por meio de cessão de crédito, que não tem a mesma segurança do endosso. Boletos bancários não comportam endosso, e sendo assim, não estão aptos a circularem, diferenciando-se assim dos títulos de crédito em tal peculiaridade.

     b) Autonomia: Títulos de crédito são autônomos frente ao negócio jurídico que lhes originou, e cada pessoa que a ele se vincula, assume uma obrigação autônoma relativa ao título. Surge assim o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais, presente no artigo 17 da lei Uniforme de Genebra, e ausente nos boletos bancários que, ao contrário, estão plenamente vinculados ao negócio jurídico que lhes deu origem.

     c) Assinatura do emitente: Certo é que um título de crédito para ter sua validade reconhecida precisa conter a assinatura daquele que o emitiu, e tal requisito encontra guarida na Lei 10.406/02, Código Civil, em seu artigo 889 (2011, p. 228): “Deve o título de crédito conter a data da emissão, a indicação precisa dos direitos que confere, e a assinatura do emitente”.

     Caso não contenha a assinatura, restará prejudicado por não conter característica fundamental e necessária a sua existência. Boletos bancários não possuem assinatura do emitente, ou seja, são lançados de forma unilateral e sem a anuência do devedor, sendo assim, não poderiam ser considerados um título de crédito válido.

     d) Executividade: Títulos de crédito são títulos executivos extrajudiciais e dispensam confirmação judicial. Aquele possuidor de um título pode requerer de imediato sua execução em caso de inadimplemento, mediante ação executória. Essa prerrogativa jamais se aplica a um boleto bancário que para ser executado necessita de um prévio processo de conhecimento que lhe assegure executividade através de sentença judicial.

     Portanto, com base no exposto fica clara a natureza atípica de um boleto bancário frente aos títulos de crédito, e mais clara ainda é a ilegalidade presente no ato daqueles que de alguma maneira valem-se dos boletos como se títulos de crédito fossem para constranger determinadas pessoas mediante protestos indevidos.

3.1 O PROTESTO DO BOLETO BANCÁRIO

     Tem-se no protesto um ato necessário a resguardar direitos, aplicável aos títulos de crédito de uma forma geral. Quanto a isso ensina Costa:  “Protesto, no conceito legal, é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”. (Costa, 2007, p.227).

     Conforme entendimento já analisado no presente estudo, Boletos Bancários não se amoldam aos títulos de crédito em seu aspecto formal, pois não trazem em si os requisitos necessários para tanto. Isso posto, torna-se notória a ilegalidade presente no ato de serem levados a protesto tais documentos, que tem seu inicio a partir da emissão do boleto, com o seu encaminhamento a cobrança pela instituição bancária, e em caso de inadimplemento, o seu protesto cambial.

     Inegável é a importância do protesto como forma de assegurar direitos ao detentor do título, senão, vejamos nas palavras de Borges em sua consagrada obra: “Protesto é, pois, o ato oficial e solene por meio do qual se faz certa e se prova a falta ou recusa, total ou parcial, do aceite ou pagamento de um título cambial” (1976, p.108).

     Ocorre que tal instituto deve ser utilizado exclusivamente pelos títulos executivos, sejam judiciais ou extrajudiciais, e de forma alguma deverá ser banalizado ao ponto de ser aplicável a todo e qualquer documento que venha a representar um valor devido.       Ainda em uma análise acerca dos boletos bancários, encontramos nos ensinamentos do professor Fernandes uma definição bastante elucidativa para o momento:

     Pode-se conceituar o boleto bancário como o documento confeccionado pelas instituições financeiras, a partir de dados transmitidos pelos credores, para fins de cobrança junto ao sacado, permitindo o seu pagamento em banco distinto do depositário. É um formulário padronizado do Banco central, por intermédio do Manual de Normas e instruções (MNI). É utilizado pelos bancos e por seus clientes, para recebimento de valores quando existe uma compra e venda a prazo. (FERNANDES, 2003, p.13)

     A partir desse entendimento concluímos que se tratam apenas de meros papéis de cobrança sem força executiva, e sem a tipicidade necessária para ser considerado um título de crédito. Trata-se apenas de uma inovação que veio assegurar aos comerciantes uma maneira eficaz e menos onerosa de receberem seus créditos perante os devedores, e seu uso desvirtuado constitui-se em meio de coação ao pagamento do valor devido.

3.2  BOLETO BANCÁRIO E DUPLICATA

     O boleto bancário ao ser levado a protesto remete à ideia de uma duplicata, previamente enviada ao devedor e por ele retida. Sob esse falso argumento, as instituições bancárias utilizam-se do protesto por indicação, sendo que na maioria das vezes a duplicata a que se refere o boleto bancário nem sequer foi extraída, nem muito menos enviada a aceite.

     Verifica-se a possibilidade do protesto por indicação somente quando a duplicata for enviada ao devedor, e este por sua vez, de maneira injustificada, não a devolve ao credor dentro do prazo legal. Vale ressaltar que tal modalidade de protesto somente poderá ser exercido mediante prova do envio e retenção da duplicata ao devedor. Sem  a presença deste requisito não se faz possível o exercício dessa modalidade de protesto, sendo que tal prática absurda vem sendo utilizada com frequência através do protesto dos boletos bancários.

     Alguns modelos de boletos bancários chegam a conter a inoportuna advertência de que em caso de inadimplemento, serão levados a protesto, e realmente o são. As instituições financeiras encaminham cópia do boleto ao cartório, e este, ávido por lucros e sob a inobservância da lei formalizam o nefasto protesto. Os bancos, ao enviarem os boletos bancários ao cartório de protestos, valem-se da falsa afirmativa de um anterior envio de duplicata ao sacado, e por ele retida.

     Objetivando se resguardar das possíveis consequências de um protesto indevido, prática comum na atualidade é a da emissão de uma triplicata a partir do boleto bancário, buscando dar-lhe respaldo legal, e legitimando seu protesto. Ocorre que a emissão de uma triplicata não deve partir de um boleto bancário, mas sim de uma duplicata injustamente perdida ou extraviada, conforme artigo 23 da lei de Duplicatas. Tal atitude somente vem a aumentar a intensidade da fraude que é aplicada a essa modalidade de protesto.

     Outra figura controvertida que surge é a chamada duplicata virtual, que busca suprimir a duplicata física propriamente dita, sendo que em tal modalidade os credores enviam aos bancos apenas fitas magnéticas com os dados do negócio jurídico realizado, e em posse desses dados, os bancos emitem os boletos bancários que serão enviados ao sacado para que efetue o pagamento sob a ameaça de protesto em caso de inadimplemento.

     Trata-se de uma aberração jurídica, pois falta-lhe o requisito da cartularidade, anteriormente estudado e demonstrado ser essencial à existência e validade de um título conforme Lei específica (Lei 5.474/68), e em desencontro com a própria teoria geral dos títulos de crédito.

     Para alguns doutrinadores e juristas, o fenômeno da descartularização da duplicata é inevitável, e consequência da modernidade. Entre os juristas também encontram-se defensores de tal posicionamento, podendo destacar a fundamentação da Ministra do STJ Nancy Andrighi em recente acórdão proferido frente ao Recurso Especial nº 1.024.691 – PR (2008/0015183-5) interposto em uma execução fundamentada com base em boleto bancário e existência das chamadas duplicatas virtuais. O referido recurso foi julgado improcedente sob a alegação de que o princípio da cartularidade, pressuposto à existência de um título de crédito, vem sofrendo cada vez mais influencia da informática, sendo plenamente aceitável sua desmaterialização:

      Os usos e costumes desempenham uma importante função na demarcação do Direito Comercial. Atualmente, os hábitos mercantis não exigem a  concretização das duplicatas, ou seja, a apresentação da cártula impressa em papel e seu encaminhamento ao sacado. É fundamental, portanto, considerar essa peculiaridade para a análise  deste recurso especial, a fim de que seja alcançada solução capaz de adaptar a jurisprudência à realidade produzida pela introdução da informática na praxe mercantil – sem, contudo, desprezar os princípios gerais de Direito ou violar alguma prerrogativa das partes. É importante ter em vista, ainda, que a má interpretação da legislação aplicável às transações comerciais pode ser um sério obstáculo à agilidade negocial, de maneira a tornar a posição do Brasil no competitivo mercado internacional cada vez  mais desvantajosa.

  Como se falar em respeito aos princípios gerais de direito, ao se defender uma prática que não encontra guarida na legislação?  Mais antagônico ainda é fundamentar tal pensamento sob o pretexto do obstáculo que poderia ser criado às transações comerciais, olvidando-se de mencionar que são justamente os títulos de crédito os responsáveis por boa parte da circulação de riquezas, e que tal circulação é possibilitada entre outros, pelo instituto do endosso, que confere ao título a segurança necessária para circular, e que não seria comportado em um título virtual.

  Insta ressaltar outro ponto relevante e ainda não levado em conta, que é a assinatura do devedor que inexiste no boleto bancário. Na verdade, nem mesmo a assinatura do credor existe em tal documento, o que vai contra o modelo próprio emanado pela resolução 102, de 26/11/1968 do Banco Central do Brasil. A idéia da duplicata virtual é uma desvirtuação do Direito, tratada de maneira adequada pelo professor Duarte:

     É preciso combate-la, pois não corresponde a um título típico, com base em lei especial. Sendo assim, não é título de crédito, porque espúrio e ilegal. É fruto de uma doutrina que não sabe onde põe os pés nem as mãos, auxiliada por instituições financeiras que, sem se importar em ferir a lei e o Direito, querem beneficiar-se do absurdo chamado duplicata virtual, duplicata escritural, duplicata-extrato, duplicata em fita magnética (DUARTE, 2007, p. 419).

No mesmo sentido encontra-se o posicionamento de Fábio Ulhôa Coelho (1998, p.457) ao afirmar que “para a execução de um título magnético, desmaterializado, será necessária a alteração legislativa, com certeza”.

O protesto da duplicata é ato formal e oficial, sendo necessário para o protesto por indicação provar que a duplicata foi retida pelo sacado, e para que esta venha a ser retida, necessário se faz que ela tenha sido previamente a ele enviada para que possa averiguar os dados nela inscritos, e, em caso de recusa de aceite ou falta de devolução, poder exercer seu direito de impugná-la por escrito no prazo legal. Somente em casos de retenção injustificada do título é que se torna legal a emissão da triplicata, que poderá ser levada a protesto. Jamais tal protesto poderá ser efetuado a partir de um simples boleto bancário, pois conforme exaustivamente frisado, este não configura um título de crédito, nem ao menos se faz amparado por um, como no caso da falta de devolução fictícia.

3.3 RESPONSABILIZAÇÃO PENAL E CIVIL DOS ENVOLVIDOS NO PROTESTO DE BOLETOS BANCÁRIOS

O protesto é um importante instituto no desenvolvimento das práticas comerciais, e seus efeitos interferem diretamente na vida das pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas. Trata-se de um direito do credor, mas que deve ser exercido dentro dos limites da legalidade e dentro das hipóteses previstas em lei, para que não venha a tornar-se um abuso de direito.

  Nesse ínterim, faz-se necessária a correta observação das hipóteses previstas para o exercício do direito supramencionado, não devendo, pois ampliar o rol de tais hipóteses, como vem sendo feito com os boletos bancários de forma a chantagear ou extorquir o devedor através dessa prática ilícita, fazendo-se valer do poder coercitivo do instituto do protesto.

  Importante é ainda ressaltar que no caso de ser lavrado protesto abusivo de boleto bancário, poderá ser responsabilizado por tal conduta tanto o credor como o notário, por culpa ou dolo, posição esta defendida pelo professor Jean Carlos Fernandes ao abordar o tema:

     É nesse cenário que se identifica o protesto do boleto bancário, cuja realização não arreda a responsabilidade das pessoas envolvidas com o ato cartorário, as quais, impulsionadas pelo lucro ávido, prescindem das cautelas legais, preferindo aliarem-se à prática fraudulenta, em um ritual execrável. (FERNANDES, 2007, p. 156).

      Ainda acerca do assunto, podemos destacar o entendimento do professor Costa (2007, p. 428) sobre o nefasto protesto ilícito aqui estudado: “Isso tudo incentiva a fraude, pois muitos boletos bancários tem sido emitidos como se fossem baseados em algumas duplicatas, mas estas na verdade não existem e nunca existiram, não tem lastro e são consideradas frias”. Nesse diapasão, é notória a responsabilização civil e criminal do tabelião do cartório de protestos na lavratura de tal ato fraudulento. Este, no exercício da função pública que lhe foi atribuída, estará praticando crime de prevaricação, previsto no Código Penal Pátrio, senão vejamos:

     Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

     Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

A devida comprovação do envio da duplicata ao devedor é condição si ne qua non dentro das situações descritas de protesto, e deixando o tabelião de observar tal pressuposto, estará a facilitar o ato ilícito daquele que busca um atalho jurídico para suas pretensões frente ao devedor. Conduta correta seria o ajuizamento de um processo de conhecimento na esfera cível, almejando declarar a existência e o respaldo legal da suposta dívida para assim, com posse de um título executivo judicial promover o devido protesto, execução ou pedido de falência.  Sobre a obrigatoriedade da comprovação de envio da duplicata ao sacado, Jean Carlos Fernandes vem delinear:

      Por sua vez, a lei 9.492/97, no §3º do artigo 20, autoriza o tabelião a lavrar o protesto por indicações quando o sacado retiver a duplicata, vedando-lhe, contudo, exigir qualquer formalidade não prevista na Lei de Duplicatas. Assim, obrigando a Lei de Duplicatas a remessa do título para aceite do sacado, a comprovação da efetiva realização de tal ato pelo portador do título é requisito do qual não pode prescindir o tabelião para a lavratura do protesto por indicações, não estando, é certo, acobertado pela ressalva do citado §3º do artigo 20 da lei 9.492/97, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal, seja por dolo ou culpa, conforme se apurar pelo procedimento investigatório, na prática dos atos da serventia, nos termos do artigo 24 da Lei n. 8.935/94. (FERNANDES, 2007, p. 161).

     E o que dizer a respeito do credor, ou daquele que confecciona os boletos bancários levados à protesto sob a falsa afirmativa de um prévio envio e existência de duplicata mercantil? Nesse escopo, faz-se mister observar o que diz a legislação Penal pertinente ao assunto:

     O Código Penal em seu artigo 171 vem tipificar o crime de estelionato:

     Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:    
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa”.

  Ainda analisando o mesmo diploma legal, vale também a observação de seu artigo 299, que tipifica o crime de falsidade ideológica:

     Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

  Os delitos acima descritos, quer seja, estelionato e falsidade ideológica, estão evidentes com a clareza solar. A princípio porque o boleto bancário é emitido e enviado ao suposto devedor como se um título de crédito fosse, coagindo-o a adimplir com aquele valor descrito no documento, independente de sua concordância, sob a ameaça de protesto como se uma duplicata fosse, e em seguida pela lavratura do protesto por indicação devido ao inadimplemento de tal documento sob a falaciosa afirmativa do envio de uma duplicata ao devedor e por ele retida de maneira injustificada. A prática delituosa tem seu inicio com a inserção da advertência de “sujeito a protesto” no boleto bancário como se um título de crédito fosse, e, por conseguinte, nos atos que prosseguem até a efetivação do protesto. Com efeito, o brilhante professor Wille Duarte Costa retrata a questão:

     Com essa prática abominável, as instituições nem mesmo se preocupam com a obtenção do endosso do título, pois ajustam contratos à parte e exigem outras garantias para o caso de não pagamento dos ‘boletos’. Se não foi emitida duplicata alguma, se foi emitido apenas borderô, se não há prova de ter sido a duplicata encaminhada para aceite, não há como falar em retenção ou falta de devolução. Reter ou devolver o que?” (COSTA, 2007, P.227).

     Com base no exposto, fica evidenciada a responsabilidade criminal tanto do credor e daquele que confecciona o boleto bancário e o envia a protesto, quanto do tabelião responsável pelo cartório, não restando dúvidas acerca disto.

     Ainda no que faz referência às responsabilizações pelo protesto fraudulento do boleto bancário, insta ressaltar as implicações civis resultantes dessa prática. É fato reconhecido o efeito nefasto que um protesto vem a causar na vida de uma pessoa, seja ela física ou jurídica, como mencionado alhures. Uma das mais gravosas consequências desse ato pode ser tida como a falta de crédito no mercado que é imposto àquele que tem seu nome inserido em um protesto.

      Dispõe o artigo 186 do Código Civil que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, e em seu artigo 187 aduz que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. e arremata adiante no mesmo diploma legal, em seu artigo 927 que: “Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

     Com fulcro em tais artigos, e amparado pelo exposto dentro do tema aqui abordado, restando evidenciado o nexo causal, demonstra-se clara a obrigação de indenizar aquele que sofre as consequências dessa modalidade ilícita de protesto. A responsabilidade civil subjetiva sustenta-se sobre três pilares: O dano suportado pela vítima, o ato culposo do agente, e o suscitado nexo causal entre o dano e a conduta culposa. Estando comprovados os três requisitos fundamentais acima descritos dentro de uma ação indenizatória, cumulativamente, surge o fato constitutivo do direito do autor da demanda, e melhor sorte não restará ao réu a não ser arcar com a respectiva indenização.

     É de importância salutar a correta identificação de todos os envolvidos no ato ilícito do protesto do boleto bancário, e as instituições financeiras, não podem ser excluídos do polo passivo dessa lide, devendo pois serem condenados de maneira solidária no dever de indenizar. A culpa de tais instituições fica evidenciada pelo simples fato de levarem os boletos a protesto sob a falsa afirmação de uma duplicata previamente extraída e enviada.
4 CONCLUSÃO

     Conforme vislumbrado no decorrer do presente estudo, os boletos bancários são documentos ágeis e de grande utilização prática na cobrança e pagamento de dívidas, tendo sua utilidade assegurada tanto para o credor, que faz-se valer de um meio menos oneroso e mais rápido para tais cobranças, quanto para o devedor, que tem a comodidade de adimplir com sua obrigação em qualquer agencia da rede bancária. Sua utilização dentro de tais limites em nada ofende ao ordenamento jurídico, e não causa nenhum prejuízo a terceiros.

     A ilegalidade reside justamente na remessa de tais boletos a protesto como se títulos de crédito fossem, sob o falso argumento de existência de uma duplicata previamente enviada, e nesse escopo, encontra-se a responsabilidade subjetiva de todos os envolvidos na cadeia responsável pela lavratura do protesto. Os estabelecimentos bancários lidam diariamente com títulos de crédito, tais como cheques e letras de câmbio, e são conhecedores profundos de suas características e pressupostos. Assim sendo, agem de má fé ao protestarem um boleto bancário, devendo, pois indenizar. O tabelião, no desenvolver de suas atribuições que lhe foram delegadas pelo poder Estatal tem o dever de agir em conformidade com a legislação vigente, sendo diligente na observância dos ditames legais, e caso a vítima venha a comprovar o nexo causal entre o dano sofrido e a conduta omissa do cartório, esta também deverá figurar no polo passivo da ação indenizatória.

     Diante desse cenário, surge a necessidade de uma maior amplitude às sanções a serem aplicadas naqueles que agem em sentido antagônico à lei. Busca-se com isso não somente preservar os direitos daquele que se torna vítima dessa modalidade fraudulenta de protesto, mas acima de tudo preservar a existência e credibilidade dos títulos de crédito na sociedade moderna. Títulos de crédito tem importância comprovada na circulação de riquezas no mundo moderno, e sua banalização poderia levá-los à descrença e por consequência, ao seu desaparecimento, motivo pelo qual torna-se necessário resguardá-los. Em breve síntese, buscando explanar tudo o que foi dito, faz-se edificante trazer a baila as palavras do profundo brilhante jurista João Eunápio Borges (1976, p. 7) que aduz: “Os títulos de crédito, geralmente considerados como a mais notável criação do direito comercial moderno, constituem o instrumento mais perfeito e eficaz da mobilização da riqueza e da circulação do crédito”.

     Destarte, preservar o cumprimento da legislação que disciplina algo tão notável e de tamanha relevância é, antes de tudo, preservar o Estado Democrático de Direito.


LUIZ CLÁUDIO SALUSTIANO DE OLIVEIRA/ ADVOGADO


REFERÊNCIAS:


BORGES, João Eunápio. Títulos de crédito. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

BARBI FILHO, Celso. A supressão documental da duplicata. Revista literária de Direito. São Paulo. Ed Literária de Direito, n 19, set/out, ano IV, 1997.

COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito.  2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial: Direito de empresa. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva 2004, v.1.

REQUIÃO, Rubens Edmundo. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

FERNANDES, Jean Carlos. Direito empresarial aplicado. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: Títulos de Crédito, volume 2/ São Paulo: Atlas, 2009.

VIVANTE, Cesare. Tratado di diritto commerciale. 3. ed. Milão, s/d; v. 3, n.953.

VADE mecum acadêmico. 5. ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011.

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